Crítica Spotlight ≈ Cine Verité por Rafaela Gomes

A Primeira Emenda da Constituição Norte-americana garante a abstenção do Estado da vida religiosa da nação, com aquela mesma premissa de que “o Estado é laico”. Da mesma forma, ela garante o direito da liberdade religiosa amplamente, firmando direito e “proteção” para crenças desempenharem seu trabalho da forma que lhes couber, ainda que prometa garantir a segurança da população em casos de desvios morais de conduta. Em “Spotlight – Segredos Revelados”, vemos que não é bem assim. E diante dos nossos olhos e mais uma vez, vemos o sistema judiciário americano despencar pedaço por pedaço, evidenciando rachaduras profundas acobertadas pela mesma corrupção tão comum e tão tratada como exclusivamente sendo do Brasil.

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Já havia um tempo que um filme como “Spotlight” não surgia nas telas de cinema. Talvez tempo demais. Centrado no núcleo estratégico voltado para grandes casos do jornal The Boston Globe, a produção conta a história verídica da equipe de jornalistas, ganhadora do Prêmio Pulitzer, que desvendou os crimes de pedofilia praticados pela Igreja Católica do período que compreende a década de 70 até os anos 2000. Com uma estética tão nostálgica e revigorante, o filme nos leva de volta à gloriosa época de “Todos Os Homens do Presidente” (1976), trazendo todos os atributos técnicos fascinantes no clássico setentista de volta, como se fosse a primeira vez.

Por se tratar de uma trama que permeia as profundezas de mais de mil casos reais de pedofilia envolvendo padres e crianças (em sua maioria, meninos), “Spotlight” usa o artifício do tom investigativo natural da pauta do jornal como instrumento que demarca o trajeto do filme, delineia o teor dos diálogos e a exploração da iluminação nas cenas. Sombras bem trabalhadas, olhares que percorrem pelas brechas de luz e atuações que, como jornalista, garanto que são genuinamente fiéis ao perfil. A produção traz aquele mesmo ritmo do clássico estrelado por Dustin Hoffman e Robert Redford e restaura o sentimento de valor não apenas na profissão, mas no desejo de fazer justiça em uma terra de injustiças.

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Aqui temos duas figuras marcantes, os contemporâneos Carl Bernstein e Bob Woodward dos anos 2000: Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Michael Rezendes (Mark Ruffalo). Contracenando lado a lado, a dupla fascina pela brilhante atuação e pela química em cena, compartilhada com o papel de Michael Keaton, Robby, editor do núcleo Spotlight. Se destacando ainda mais dentre os três, Ruffalo se mostra como um ator com crescimento vertiginoso, que assume os personagens que encara com tamanha naturalidade que nos questionamos sobre qual dos papeis que ele interpreta estaria mais próximo de sua personalidade. Cativando desde “Foxcatcher” (2014), filme que lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, ele tem se desafiado – como fez em “The Normal Heart” produção para TV da HBO que lhe garantiu a indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator em 2015 –, saindo mais da sua zona de conforto e se firmando como um dos grandes atores da atualidade. Rachel mostra os louros de ter feito a segunda temporada da antológica série “True Detective” nesta produção. Depois da desafiadora personagem viciada em pornografia e drogas, ela parece se sentir mais a vontade fora da zona de comédias e romances que ocupam boa parte da sua filmografia, nos certificando que sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Spotlight é justa e merecedora.

E as rachaduras que o filme traz à luz são desconfortáveis a ponto de nos constrangerem. Aqui, somos testemunhas de advogados inescrupulosos, que assumem acordos entre famílias fragilizadas e padres doentes a fim de retirar uma comissão gorda que compensa a falta de sensibilidade e anestesia a alma de uma consciência honesta. Vemos o sistema judiciário americano ruir vergonhosamente, tal como temos acompanhado na série documental “Making a Murderer”, da Netflix. Ficamos atônitos pelo abafamento de casos de violência sexual friamente calculados para vitimizar apenas aqueles de origem mais humilde, atitudes vindas de um lado que deveria transparecer confiança, alento e proteção. Duvidamos da incapacidade e fechar de olhos da própria Igreja Católica, que acobertou por quase 30 anos crimes hediondos, os mascarando a fim de sufocar as vozes sofridas e torturadas, “frutos” deixados por seu clero sujo e coberto de mentiras.

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“Spotlight” direciona os holofotes para as conflituosas Primeira e Quinta Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que à medida que zelam pela liberdade religiosa (como deve ser) e garantem que você não será compelido a testemunhar ou produzir provas contra si mesmo, asseguram criminosos do dever de responder às acusações em muitos casos, ainda que as vítimas recorram insistentemente à justiça. Essa falha gravíssima (que para total compreensão exige um conhecimento profundo da Constituição, aspecto que não possuo), se assemelha ao que vemos no documentário da HBO “Going Clear” (2015), que traz ex-integrantes de baixo, médio e alto escalão da Igreja da Cientologia relatando precisamente os atributos mais podres da instituição, enquanto contam casos de violência verbal, física, calúnia e cárcere privado vividos por eles. Denúncias que morrem nas mesas de juízes, uma vez que a igreja sempre usa a Primeira e a Quinta Emenda para se proteger das acusações e arquivar os casos sem a atenção da mídia.

Da mesma forma que “Spotlight” é uma aula sobre integridade, a produção esmiúça aquilo que, posteriormente, foi confirmado como uma rede criminosa e extensiva de casos de pedofilia acobertados ao redor do mundo, inclusive pelo Vaticano. O filme termina com a sensação física de encerramento de uma pauta, mas marca apenas o início de uma rede que nutri apoio às vítimas coagidas a arquivar na alma traumas que as acompanham até hoje.

Sacerdote da Santa Igreja do Culto ao Nintendinho, Ryu se declara um rapaz casto e introvertido, no fundo desculpas para seus constantes fracassos com as mulheres. Adora surfar, mas não sabe nadar e sonha em conhecer uma praia. Ex-modelo, ex-feirante, ex-atriz, ex-torcedor do Mixto, Evel na verdade é um extraordinário colecionador da série telecurso 2º grau, sabe de cor e salteado todas as lições de química e marcenaria contemporânea. Amante da boa cozinha, não dispensa um churrasco de gato no boteco da Zuleide. Adora aventura e sempre que pode arrisca-se no truco indoor, desde que o ambiente seja refrigerado. "Onde há flor não há envido!"