Carros e Capitalismo Parte 1: Ford

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FORD. Estados Unidos. Automóveis. 1902.

fordVocê provavelmente já está bem crescido para saber que vive num sistema econômico chamado capitalismo. Se não sabe, deve pelo menos ter noção de que esse sistema é movido pela alta capacidade de produção e pela conseqüente alta rotatividade das mercadorias. Nada mais óbvio: se alguém produz muito, deve vender muito. E para vender muito, alguém deve estar disposto a comprar.

No entanto, talvez lhe seja desconhecida a informação de que o nosso alto padrão de consumo em termos quantitativos se deve a um engenheiro mecânico chamado Henry Ford. Ele era um cara que gostava de construir coisas, em especial automóveis. Por conta própria construiu um modelo movido à gasolina e mostrou ao patrão Thomas Edson, o famoso inventor. Edson era um grande visionário e logo viu que o carro de seu empregado tinha futuro. Ford ficou tão empolgado que pediu demissão e foi procurar dinheiro para construir sua própria fábrica de automóveis.

Surgia a Detroit Automobile Company, um fracasso que custou aos investidores um prejuízo de dois milhões de dólares. Ford não teve outra escolha senão vender a fábrica, rebatizada de Cadillac pelos novos donos. Decepcionado por ver o fim de sua grande idéia e sem qualquer perspectiva, o engenheiro então com 40 anos de idade concentrou-se em montar carros de corrida. E felizmente para ele esses veículos eram muito rápidos e estáveis, fato que chamou a atenção de outros investidores. Surgiu finalmente a Ford Motor Company.

Mais uma vez ele tinha dinheiro nas mãos, mas não pretendia errar de novo. Porém, como fazer isso? Como ter sucesso? Vendo os problemas e propondo soluções. A primeira questão era relativa ao valor dos automóveis naquela época. Ter um carro era coisa de milionário. Além disso, os veículos não eram estáveis, pareciam mais algo voltado a pilotos profissionais de teste.

Diante disso, Ford pensou em criar um modelo que fosse fácil de dirigir e simples de fabricar. Seu objetivo era acima de tudo fazer um produto barato, acessível. Passou então a criar protótipos. Depois de 19 tentativas (A, B, C, D…) o Ford Modelo T se apresentou como veículo mais eficiente e com custo mais baixo. Em 1908 ele saiu da fábrica com o status de produto confiável, no entanto ainda caro para os padrões do consumidor comum. Insatisfeito, Ford mais uma vez precisava pensar numa nova solução.

Foi nesse ponto que determinada base intelectual o diferenciou de todos os outros empresários da época. Tudo aconteceu por causa de um contato dele com o trabalho de Frederick Taylor, outro engenheiro mecânico. Taylor tinha uma proposta interessante: para ele, toda fábrica devia se concentrar em ter uma eficácia absoluta. Nada de desperdícios, nada de perder tempo, tudo para que a produção se tornasse sempre maior. Como fazer isso? De acordo com Taylor, usando a organização para alcançar a efetividade.

Tendo isso em mente, Ford colocou a cabeça para funcionar, buscando uma maneira de produzir o modelo T mais rapidamente. O conceito criado por ele foi de uma simplicidade absoluta: em vez de os funcionários montarem carro por carro, seria melhor que cada um deles montasse apenas uma parte específica. Para fazer isso, Ford pensou numa linha de montagem, na qual o veículo vai passando e recebendo suas peças. As maiores vantagens do sistema eram duas. Primeiro o empregado não perderia tempo se locomovendo pela fábrica, bastava esperar o veículo chegar à sua frente. A segunda, e mais importante, era o fato do montador precisar somente de um conhecimento técnico mínimo para realizar sua tarefa. Afinal, mesmo sendo a montagem um serviço complexo, se cada um fizesse a mínima parte era bem mais fácil de aprender o trabalho.

Pois bem, com um sistema eficiente em mãos Ford foi capaz de produzir carros em massa e ter um grande estoque. Não pense que esse fato deu a ele a liderança do mercado, pois na verdade não havia mercado automobilístico antes de Ford. Sendo assim, em alguns anos a fábrica tornou-se absoluta no mundo todo. Com o aprimoramento da linha da montagem, os veículos ficaram ainda mais baratos. Em 1908, por exemplo, um Ford T custava cerca de 20 mil reais. Onze anos depois custava apenas 12 mil reais, um veículo realmente popular.

E quais foram as conseqüências dessa fabricação em massa de carros? É certo que o planejamento urbano teve que mudar completamente, porém Ford alterou mesmo a maneira como qualquer tipo de produto industrializado era concebido. Obviamente o sistema de produção dele encontrou adeptos em outros ramos de negócio. Nesses segmentos os produtos também ficaram baratos, levando a capacidade de produção e de consumo do mundo capitalista a patamares altíssimos.

Por isso, em parte, o mundo em que vivemos hoje se deve a Ford. Por isso também, em parte, você tem um poder de consumo muito maior, dado o barateamento. No entanto, essa grande revolução no modo de produção capitalista só duraria até os anos setenta. Nessa época uma outra maneira de ver o sistema passou a se firmar do outro lado do mundo…

Não deixe de ler semana que vem em Carros e Capitalismo Parte 2: Toyota.

Curiosidades de Sobremesa

1 – Dois dos sócios de Ford eram os irmãos Dodge, os quais deram o sobrenome para uma outra marca de carros bem conhecida. Eles romperam a sociedade anos mais tarde para fundar sua própria empresa.

2 – Interessante notar que o sistema capitalista tem como característica a produção e o consumo rápido de mercadorias. Legal se isso ficassem somente no aspecto material, não é verdade? Assim não teríamos ganhando como conseqüência a indústria cultural!

3 – O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, é uma crítica ao modo de produção criado por Ford.

4 – Frederick Taylor dizia também que a melhor maneira de tornar uma fábrica eficiente era controlar toda a matéria-prima usada na concepção dos produtos. Ford fez isso ao produzir cada uma das peças de seus modelos T, incluindo os pneus com a Firestone (lembram desse post?).

5 – Henry Ford é o pai da linha de montagem pelo fato de a ter popularizado e aprimorado. No entanto, outras fábricas já usavam sistemas semelhantes, incluindo a Colt e a Singer.

6 – Só o Fusca vendeu mais que o Ford T.

7 – O Ford T era chamado de Ford Bigode no Brasil, pois as suas duas alavancas para controlar a aceleração, quando paralelas, pareciam formar o desenho de um bigode. Mais tarde o nome foi adotado oficialmente pela fábrica aqui.

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