O caso de quem SÓ viaja para fazer compras

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Augusto e Mara viram um outdoor. Nele um casal apaixonado se beijava em uma estreita e antiga rua de Roma. A cena era primorosa, o homem e a mulher eram lindos e o dia estava claro e limpo. Observar aquele cartaz era o estímulo que faltava ao casal para organizar sua primeira viagem internacional. Depois de muita espera e prestações, lá estavam eles. O destino do passeio inaugural foi o Coliseu. Os dois ficaram muito empolgados, afinal ali o cara do filme Gladiador tinha lutado contra alguns inimigos e até matado uns leões.

Seguiram então para outras ruínas, mas aí a incursão começou a ficar chata. Colunas e mais colunas, tocos de construções, uma coisa chamada aqueduto. Ninguém tinha coragem de reclamar – ora – aquela era a viagem dos sonhos, eles deveriam viver cenas como a do cartaz. Porém, eis que sob a pressão do tédio, Augusto reagiu:

– Amor, vamos sair daqui e fazer umas comprinhas?

Nesse momento Mara compreendeu porque escolhera aquele homem para chamar de seu. O casal partiu imediatamente em busca do shopping mais próximo. Os olhos de ambos brilhavam. Vitrines, felicidade, deleite e prazer. Agora sim a viagem estava rendendo.

Os dias se passaram com essa dinâmica, uma olhadinha nas atrações e longas estadas no conforto das lojas. Quando finalmente voltaram para casa, os comentários com os amigos eram rasos. Poucos elogios às edificações milenares e muitas observações sobre o preço das roupas e dos eletrônicos.

Não é difícil achar viajantes como o casal Mara e Augusto. Perdidos em meio a uma cultura que desconhecem, eles acabam intensamente entediados. São então seduzidos pela atividade que há muito já superou a religião em adeptos: o consumo de bens materiais.

Esse tipo de viajante tem procedimentos típicos. Mesmo durante o planejamento da incursão já é possível observá-los marcando shoppings e outlets no mapa. Cortam o orçamento dos passeios e da alimentação em prol de uma graninha a mais para aquele tablet ou aquele par de sapatos.

Trocam, enfim, a oportunidade de conhecer coisas novas pelo fugaz e enganoso divertimento de acumular coisas novas.

Decerto que comprar nos oferece um tipo de prazer, mas se trata de uma sensação passageira. O indivíduo deseja o produto, o adquire e a ânsia passa, mas logo a vontade de comprar outra coisa aparece. Seria fácil notar esse processo e dispensar todo esse afã por compras não fosse a propaganda.

Se por um lado ela pode estimular ações sensatas – como doar sangue ou não dirigir embriagado – por outro também leva a comportamentos completamente estúpidos. Imagine uma pessoa que compra uma calça jeans a um custo de R$ 2.000,00. Esse objeto na realidade custou R$ 20,00 para ser produzido, já incluindo todo o gasto com matéria-prima, mão-de-obra, frete e investimento em propaganda.

Uma aquisição absurda como essa só faz sentido no prisma da publicidade. É ela quem mostra a foto da moça esguia com sua bolsa Prada em Paris sendo assediada por homens atléticos. Ou então o rapaz musculoso com o terno Hugo Boss tomando café enquanto as moças salivam por ele. Em nenhum dos dois casos o que se vende é um produto, mas uma situação de bem-estar. E quando se está comprando felicidade, o preço não importa. Como disse o brilhante personagem Donald Draper, da série Mad Men:

A propaganda é baseada em uma coisa: felicidade. Você sabe o que é felicidade? Felicidade é o cheiro do carro novo. É se libertar do medo. É um outdoor no meio da estrada gritando “seja lá o que você estiver fazendo, está tudo bem. Você está bem”.

Sendo assim, a mulher que consome Prada no fundo deseja viver a mesma situação mostrada na propaganda. O rapaz quer dirigir uma Ferrari do mesmo modelo daquela vista no filme Velozes e Furiosos pois assim – de alguma maneira – ele também se sentirá um herói. É infantil, mas funciona.

E se há dúvidas de que essa pequena artimanha da publicidade é algo extremamente efetivo, veja o caso do Nazismo. Joseph Goebbels afirmou que o Reich só fora possível por meio da propaganda. Noam Chomsky concordou com ele ao dizer que a propaganda é para a democracia o que o cassetete é para o estado Totalitarista. Ou seja, uma nação inteira pode ser convencida a aceitar o absurdo do assassinato em massa de judeus, desde que isso seja mostrado como uma ação correta. E se até algo tão desprezível pode ser vendido, imagine meros produtos ou simples comportamentos de consumo.

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Para tornar a situação ainda mais aguda, o poder de influência da propaganda não é somente grandioso, também é abrangente. Em média uma pessoa com hábitos ordinários assiste a quase mil inserções publicitárias por dia, incluindo aí desde o logo da Coca-Cola em uma lata, passando pelo banner no site de notícias até o comercial da Apple na TV. Essa carga de informações supera em conteúdo qualquer outra atividade intelectual que uma pessoa normal desempenha durante sua rotina.

Por isso é até natural que o casal Augusto e Mara se identifique mais com o shopping do que com a épica história do Império Romano. Os pobres pombinhos apaixonados foram bombardeados por propagandas a vida inteira e suas expectativas seguem as promessas do mercado.

Eles esperavam viver as cenas daquele lindo cartaz, mas o que a propaganda não diz é que a complexidade da Cidade Eterna não se apresenta a indivíduos sem referência histórica. Ou simplesmente pode estar calor e beijar seu marido pregando não é tão romântico assim. E aí quando a viagem fica chata, como se divertir?

Compras, oras. Just do it, aqui não é preciso entender nada e ainda temos ar-condicionado! Para que compreender o quão edificante é a magnitude histórica de Roma? Não. Para fazer isso o casal precisaria estudar. Quem estuda aprende a pensar por si só e não faz coisas como acreditar piamente em cartazes de propaganda.

O que o mercado quer é distrair as pessoas para que elas não perturbem o status quo. Faz isso de maneira implacável ao criar falsas expectativas. E não se trata de fabricar ilusões somente em relação a uma viagem ou a um objeto. Aquele cartaz na vitrine da agência estava vendendo amor, algo muito mais complexo. Sobre isso Don Draper tem outro bom conselho:

O que você chama de amor foi inventado por um publicitário para vender meias de nylon. Você nasce sozinho e morre sozinho e esse mundo apenas joga um monte de regras para fazer com que você se esqueça disso. Mas eu nunca me esqueço. Eu estou vivendo como se não houvesse amanhã porque na realidade não há.

O que nos resta diante de tão sombrio destino? Admirar o mundo, usar nossa inteligência para tentar compreendê-lo, nos assombrar e deleitar com sua complexidade. Isso é muito mais gratificante do que o conteúdo de qualquer sacola de compras.

Abraço!

Pedro Schmaus

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