Entrevista com Hilton Lacerda

Hilton Lacerda assina, com o amigo Lírio Ferreira, a sua obra mais autoral. Cartola é o primeiro longa-metragem do diretor. Roteirista de “Baile Perfumado” e “Amarelo Manga.

Como foi o processo de criação de Cartola?
Hilton Lacerda: Inicialmente, o projeto previa a realização de um docudrama. Não gosto da expressão e nem desse estilo de cinema. Houve uma mudança e eu e Lírio Ferreira avançamos para outro caminho.

Qual?
Hilton: Primeiro, a gente não queria que o personagem pautasse a narrativa. A intenção seria mostrar uma parte da história do país, desde o início do Brasil República até a abertura política. Mas essa mensagem política acabou ficando subliminar. Tínhamos também o desafio formal de elaborar um filme fragmentado que não fosse hermético e que tivesse uma cronologia. Não queríamos um filme careta, mas um que fizesse o público refletir.

E como essa idéia foi realizada?
Hilton: Usamos, por exemplo, imagens do cinema brasileiro para ajudar na construção do filme. São imagens símbolos dentro da narrativa que não têm uma ligação direta com o objeto central do filme.

Você e Lírio Ferreira também criaram imagens de ficção. Como essas seqüências entram no filme?
Hilton: Criamos imagem para dar clima ao filme e para preencher espaços vazios. Não queríamos fazer uma reconstituição de época tradicional, mas sim uma reconstituição afetiva. Nas cenas de samba na Mangueira, por exemplo, as pessoas estão vestidas com roupas atuais, mas cantam um samba mais “marcheado”, característico da época de Cartola, e não um sambão dos dias de hoje.

Como foi desenvolvida a pesquisa de imagens reais?
Hilton: Foi uma pesquisa ampla em museus, arquivos de pessoa física e de empresas de comunicação. E como há poucas imagens de Cartola em movimento, acabamos usando quase todas disponíveis.

As entrevistas foram feitas de formas objetivas. Como elas entraram dentro dessa proposta não clássica?
Hilton: Fizemos entrevistas básicas. Nada de câmera trêmula e ângulos diferentes. Esses depoimentos têm uma função narrativa. De ajudar a contar a história cronológica do compositor.

O próprio Cartola se transformou no principal narrador da sua história. Por que essa opção?
Hilton: Cartola nasceu no mesmo ano que Machado de Assis morreu. Essa ligação ajudou a reforçar a idéia de uma narrativa póstuma. O filme começa e termina com cenas do enterro do compositor que passa a narrar sua trajetória. Nessa seqüência inicial, usamos cenas de “Brás Cuba”, de Bressane, junto com as imagens reais do sepultamento.

O início já deixa claro que Cartola é um filme com várias camadas. É um caminho para falar com platéias distintas?
Hilton: É. Trabalhamos em vários níveis. Cartola é um filme que fala com vários públicos. Uma pessoa com conhecimento de cinema terá uma percepção diferente da maioria. Mas o público em geral vai sair do cinema conhecendo a história do compositor.

Desde garoto sofre com as brincadeiras de seus professores que na hora da chamada insistem na piadinha “é o Júnior da Sandy?”. Otimista de plantão, acredita em duendes e no Brasil sem corrupção. Não ouviu o último do Caetano, mas achou uma merda. Leu todos os clássicos da literatura universal sempre com uma revista de sacanagem aberta no meio. Inventou a vassoura com MP3 player e câmera digital e pretende ficar rico com isso. Pretende fazer um mochilão a pão e água de Mossoró a Sinop no próximo ano. Nunca viu um disco voador e morre de medo de barata, “mas só daquelas grandes que voam”.