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Pedro Schmaus

Quando uma viagem só serve para tirar onda no Facebook

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As pessoas precisam de atenção, essa é uma característica humana. Por isso atuar para atrair olhares para si não é um tipo de desvio de comportamento. O problema não é querer ser o centro das atenções, mas fazer isso sem ter nada a dizer.

As redes sociais formam um terreno fértil para esse tipo de pessoa. Aquele indivíduo que não sabe compartilhar idéias, prefere o caminho fácil da divulgação de hábitos. Assim surgem as fotos de pratos de comida, gatos, unhas pintadas com esmalte, entre outros.

Para essas pessoas as viagens são só uma desculpa para conseguir mais atenção. Não se trata de experimentar uma nova cultura, somar conhecimento ou fazer novos amigos. Trata-se de criar mais uma oportunidade de massagear o próprio ego.

Você viaja para onde eles querem

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A imagem acima é da Igreja de Cristo em Windhoek, capital da Namíbia, um lugar que raramente aparece em alguma revista brasileira de viagens. E quando eu digo raramente é só para não usar as palavras nunca e jamais. O caso é que Windhoek não está sozinha na estatística do desaparecimento de destinos.

Entre janeiro de 2010 e abril de 2013, a revista de turismo mais lida do Brasil publicou 40 edições. Em todo esse período a imagem principal das capas abordou cenas de somente 11 países dos quase 200 existentes, todos localizados em apenas dois continentes (América e Europa). Não há sequer uma capa sobre locais na Ásia, Oceania ou África.

Evidências como essa mostram que as escolhas no campo do turismo são tarefas ilusórias. Achamos que tomamos decisões com base em nossos gostos pessoais, mas na verdade nosso imaginário foi construído de maneira limitada, quase em uma proporção de 11 para 200. É o resultado de ter como base esses guias de viagem e revistas especializadas, logo essas publicações que são feitas para vender pacotes.

É uma realidade de mercado: o destino com mais grana para investir será sempre o mais indicado nos textos, afinal as publicações impressas não vivem de brisa. Já os destinos sem verba – mesmo aqueles muito bons – simplesmente não recebem destaque em revistas e saem das listas dos viajantes brasileiros. A capital da Namíbia é um bom exemplo.

Resta então o trabalho do viajante comum, aquele indivíduo que gasta sua própria grana para conhecer o mundo e compartilhar suas experiências em um blog perdido em meio à imensidão da internet. No entanto, mesmo os textos escritos por esses bem-intencionados indivíduos podem ser enganosos.

A extraordinária Budapeste

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A Yupin é uma tailandesa que conheci durante um mochilão pela América do Sul. Magra e baixinha, parecia a mais frágil das criaturas. Um dia fomos almoçar em uma birosca perto do albergue e me surpreendi com as suas atitudes. Sem saber quase nada de inglês ou espanhol, ela entrava nos lugares como se fosse uma habitante local.

Nos restaurantes olhava o cardápio passando a falsa impressão de que entendia tudo. Apontava para qualquer nome no menu e – se o garçom retrucasse com algum detalhe do tipo “bem passado ou mal passado” – ela acenava afirmativamente. A maldita não ligava para o que viesse, ela simplesmente comia tudo. Andava nas ruas e gesticulava, entrava na casa dos outros. Nos passeios vagava em todo e qualquer lugar, não tinha medo de se perder. Seu lema era simples:

Se você tem medo de conhecer pessoas novas, lidar com outros idiomas e experimentar pratos exóticos, então é melhor não viajar para outro país.

Quando decidi ir à Budapeste me lembrei de Yupin. Na Hungria a língua é tão complicada que mereceu até uma menção em um afamado livro de Chico Buarque. Em um dos capítulos ele diz que o húngaro é a “única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita”.

Há quem desista diante de uma viagem a um país com uma língua muito estranha. Porém, eu não estava nada preocupado. Dessa vez usaria o estilo de Yupin e pronto. Meu objetivo era provar que a falta de fluência em determinado idioma não é uma desculpa para ficar em casa.

O caso de quem SÓ viaja para fazer compras

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Augusto e Mara viram um outdoor. Nele um casal apaixonado se beijava em uma estreita e antiga rua de Roma. A cena era primorosa, o homem e a mulher eram lindos e o dia estava claro e limpo. Observar aquele cartaz era o estímulo que faltava ao casal para organizar sua primeira viagem internacional. Depois de muita espera e prestações, lá estavam eles. O destino do passeio inaugural foi o Coliseu. Os dois ficaram muito empolgados, afinal ali o cara do filme Gladiador tinha lutado contra alguns inimigos e até matado uns leões.

Seguiram então para outras ruínas, mas aí a incursão começou a ficar chata. Colunas e mais colunas, tocos de construções, uma coisa chamada aqueduto. Ninguém tinha coragem de reclamar – ora – aquela era a viagem dos sonhos, eles deveriam viver cenas como a do cartaz. Porém, eis que sob a pressão do tédio, Augusto reagiu:

– Amor, vamos sair daqui e fazer umas comprinhas?

Nesse momento Mara compreendeu porque escolhera aquele homem para chamar de seu. O casal partiu imediatamente em busca do shopping mais próximo. Os olhos de ambos brilhavam. Vitrines, felicidade, deleite e prazer. Agora sim a viagem estava rendendo.

Os dias se passaram com essa dinâmica, uma olhadinha nas atrações e longas estadas no conforto das lojas. Quando finalmente voltaram para casa, os comentários com os amigos eram rasos. Poucos elogios às edificações milenares e muitas observações sobre o preço das roupas e dos eletrônicos.

Não é difícil achar viajantes como o casal Mara e Augusto. Perdidos em meio a uma cultura que desconhecem, eles acabam intensamente entediados. São então seduzidos pela atividade que há muito já superou a religião em adeptos: o consumo de bens materiais.

Esse tipo de viajante tem procedimentos típicos. Mesmo durante o planejamento da incursão já é possível observá-los marcando shoppings e outlets no mapa. Cortam o orçamento dos passeios e da alimentação em prol de uma graninha a mais para aquele tablet ou aquele par de sapatos.

Trocam, enfim, a oportunidade de conhecer coisas novas pelo fugaz e enganoso divertimento de acumular coisas novas.

Por que seu pai não quer que você viaje?

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É bem provável que no passado sua família tivesse poucas condições financeiras. Eram muitos irmãos e não seria estranho especular que seus avós deixaram uma cidade do interior para vir morar na capital. Com muito esforço seus pais terminaram os estudos. Compraram um terreno financiado por décadas, construíram uma boa casa tijolo por tijolo. Começaram com um fusca velho e foram trocando de carro até chegar ao belo sedan que dirigem hoje. Com muita dignidade seus pais realizaram o sonho das pessoas que nasceram entre as décadas de 40 e 70 do século XX.

O Brasil era então um país majoritariamente agrário, no qual ter o Ensino Médio completo valia mais que uma faculdade hoje. Possuir bens era algo raro, as coisas eram muito caras. Ter um som, uma televisão ou uma máquina de lavar eram luxos magníficos. Não existia crediário ou cartão de crédito. A carreira profissional era a que aparecia. Buscar sua vocação era uma frescura ridícula, o importante era pôr comida na mesa. Os valores e metas – enfim – eram outros.

Já você nasceu em um contexto bem diferente. Seus pais não tiveram tantos filhos assim e é possível que você tenha estudado em escola particular. Passou a maioria da vida andando de carro e curtiu ganhar um vídeo game no Natal. Escolheu a faculdade que quis, teve a liberdade de buscar o que julgava ser o seu talento. As coisas já eram mais baratas e o seu primeiro carro foi zero ou um semi-novo bem melhor que um fusca. Sua casa foi montada completa, com geladeira, fogão, máquina de lavar e se brincar até um frigobar. E se você ainda não mora sozinho, tudo bem. Hoje é algo muito comum para indivíduos com até 25 anos de idade, mas algo impensável para a época do seu pai.

Dois contextos tão distintos criam naturalmente gerações com visões bem diferentes. Por isso não é surpresa que seu pai se choque ao descobrir o filho planejando gastar 10 mil reais em uma viagem. Não é estranho também que – tendo sido criado sob a influência dos valores paternos – você se sinta mal em discordar do seu pai e dizer: sim, eu vou gastar esse tanto de dinheiro em um bem imaterial.

 

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