A sombra dos Shinobis, ou por que ninjas rock…

cavernas-e-dragoes

Eles antigamente andavam nas sombras e eram contados como lendas sombrias, daquelas sussurradas pelas pessoas aterrorizadas demais para equilibrar o próprio bom senso.

Com o tempo, tal qual ocorreu com os zumbis, seus feitos fantásticos foram devorados pela cultura pop e seus mitos foram desconstruídos, reconstruídos e reimaginados.

O resultado disso é sobre o que vamos falar hoje.

Sobre as lendas e a popularidade desses carismáticos seres das sombras.

Sobre os bastidores do clã de assassinos mais famoso do mundo.

As Lendas

Como em toda boa lenda que se preze, não dá para afirmar com certeza quando começaram a surgir rumores sobre esses sujeitos.

Acredita-se, contudo, que tudo se iniciou lá pelo século 14, em pleno Japão Feudal, o que já não os tornaria ainda lendas milenares como alguns acreditam. Como se sabe, aquela era a época em que os Daymio tacavam terror na ilha dos olhos esticados, acompanhados de seus samurais, que apesar do estilo de vida e dedicação espiritual igualmente carismático, também se colocavam acima das pessoas comuns, julgando e punindo até cidadãos com a morte de acordo com seus códigos elitistas.

Observado sob esse aspecto, o ninja seria um guerreiro plebeu sem senhor, sem fidelidade e sem código de combate.

Em outras palavras: ele seria todo o oposto do que pregaria a filosofia samurai do Bushido.

(Antes de surgir a web, os ninjas já pensavam em trollar as relações sociais samurais…)

Localizados nas regiões de Iga e Koga, cansados de servir a carne do sushi, os camponeses resolveram se dedicar a um treinamento de guerra inteligente, que os fizesse ter chance de sobreviver à margem daquela sociedade.

Até nesse ponto, entretanto, as lendas já começaram a tomar forma. Existem os que afirmam que tudo se iniciou nos templos Shaolins e que no Japão se desenvolveu. Existem os que dizem que o ninjutsu seria baseado diretamente nos textos sobre arte militar de Sun Tzu.

Enquanto samurais treinavam comumente em dojos com ênfase em técnicas baseadas em formas marciais, ninjas treinavam em harmonia com a natureza, baseando-se em movimentos de animais e na adaptação ao terreno e condições.

Samurais não recuavam diante de um oponente. E se matavam se caissem em desgraça.

Ninjas nunca tiveram problema de entrar e sair sem pedir licença, e muitos menos fugir na primeira oportunidade. Se viessem a se matar quando capturados era apenas porque sabiam que seriam torturados para delatar suas famílias, não por um código filosófico.

Em suas técnicas aprendiam a se camuflar, atacar na surdina, envenenar, andar nas sombras, em outras palavras: eram legítimos mercenários sem códigos de combate ou peso na consciência.

(O verdadeiro ninja não tem escrúpulo…)

E assim, aproveitando que naquela época ainda não havia cinema e contadores de causos eram popstar, começaram a espalhar pelas tabernas que eram capazes de se misturar nas sombras. Que assumiam formas de crianças, ou cachorros, ou demônios, ou velhas mais enrugadas do que a avó do Dhalsim (que eu imagino que deva ser uma velha demoníaca).

Utilizavam armas não convencionais como kusarigamas, kamas, shurikens, zarabatanas, nunchakos, chukos, kawanagas…

(Um Ricardão ninja demonstrando o uso de uma kawanaga…)

A espada que utilizavam eram a Ninja-to, que possuía a lâmina reta e era menor que a katana samurai.

De qualquer maneira, pensar em assassinos sem escrúpulos surgindo das sombras e saltando por aí deveria aterrorizar o imaginário inimigo.

Acredito que o impacto seja o mesmo de um assaltante de bancos descobrir que um vigilante vestindo kevlar e capa de morcego está saltando por prédios de olho por aí.

Desconstruindo mitos…

Bem, os contadores de histórias fizeram muito pela figura desses guerreiros, a ponto de ser dificíl identificar hoje em dia o que seria mito ou não.

Ok, difícil sim. Mas não impossível.

Eis alguns exemplos:

– Ninjas desaparecendo na fumaça.

Sério; você não acreditava nisso mesmo, não é? De novo: não é?

Esse mito surgiu porque ninjas simplesmente sabiam como dar no pé a qualquer hora, local ou circunstância. Assim como aconteceria com ilusionistas, suas técnicas escapistas foram confundidas com performances sobrenaturais.

– Shurikens mortais.

As famosas estrelas serviam para distrair os inimigos, não para perfurar mãos que buscam pistolas ou o chakra na testa, mas ajudar como sempre o ninja a escapar do problema.

Quando alguém está tentando te pegar em algum lugar, qual a sua reação? Atirar o que tiver na frente, de pratos e cadeiras a… Xbox (veja videos de namoradas ninjas irritadas pela web). A ideia era a mesma.

– Ninjas matam com um toque.

Bem, ficamos no meio termo. É possível matar com um toque? Se você já viu “O Grande Dragão Branco”, sabe que existe o Dim Mak, que também já se tornou um mito.

A questão é: dá pra matar uma pessoa com um toque? Resposta: sim, mas seria preciso ser um mestre de 20º nível, mestre jedi, não seduzido pelo lado negro. E, convenhamos, não é qualquer ninja que se encontra assim por aí, não é?

– Ninjas mascarados.

Por incrível que pareça, essa coisa da máscara ninja também é um mito. Ninjas poderiam esconder o rosto? Sim. Mas isso não era regra; na maioria das vezes era muito mais discreto se disfarçar de um camponês ou fazendeiro.

Pense bem: entre perseguir um sujeito com chapéu redondo e sandália fingindo pescar em um lago, ou um sujeito todo de preto dando cambalhotas feito uma Daiana dos Santos e tentando soltar fumaça pelo caminho, qual seria a opção mais fácil de se encontrar?

– Ninja param espadas com as mãos.

Um ninja é conhecido por sua inteligência, não estupidez.

Se você tentar descer uma lâmina de espada na cabeça dele, ele vai sair da frente, não cantar “parabéns pra você”.

– Piratas são melhores do que ninjas.

Há, vai sonhando…

***

Esses eram os mitos originais.

Só que eles superaram a História e foram comprados pela cultura pop.

E 800 anos depois, os ninjas se tornaram máquinas de fazer dinheiro.

Ninjas Restart

Assim como aconteceu com os zumbis, é difícil dizer quando tudo começou. Mais uma vez podemos teorizar que a culpa seja dos videogames, da literatura ou dos diretores ruins, mas o fato é que a cultura pop engoliu em uma única lambida o conceito e lendas por detrás desse clã.

De maneira fria, talvez o raciocínio tenha sido: um ninja é um guerreiro oriental, dotado de máscaras e armas exóticas, capaz de feitos quase sobrenaturais. Uma ideia bem cool para um protagonista, correto?

E se de repente, não fosse preciso ele ser oriental? E se ele não precisasse cobrir o rosto inteiro? Ou se o uniforme não precisasse ser escuro?

E se não fosse preciso nem mesmo ele ser humano?

E se ser um ninja passasse simplesmente a ser uma categoria, que indicasse simplesmente: esse personagem tem técnicas capazes de matar você sem que você saiba de onde o ataque veio?

Foi aí que morreu qualquer verdade. E a cultura pop repaginou o que já era  mito.

(No início é tudo muito bem, tudo muito bom, mas espeeeera…)

O uniforme ninja tinha como função camuflar o ninja nos ambientes sombrios. E aqui a cultura pop já começou a esculachar a coisa toda.

Primeiro, como definir um ninja do bem e do mal, sem confundir o espectador? Resposta: com cores!

De início a coisa foi devagar. Que tal o ninja branco ser do bem e o preto do mal? Ou vice-versa? Bacana, não?

Mas só que com o tempo, o fulano de lá já fez isso. E o ciclano de cá também. Então como vamos diferenciar nossa história das histórias dele?

Com uma brilhante ideia: vamos alterar as cores  para algo mais… vibrante.


(É… o show do Restart é prali…)

As kunoiches (mulheres ninjas) originalmente utilizavam a sedução como arma. Na cultura pop elas enfiam é a porrada mesmo!

As armas se tornaram um capítulo à parte: é como uma “marca de franquia” estilo os apetrechos de James Bond ou as improvisações de MacGyver.

(Com cultura pop é assim: se é pra chutar o balde, chuta tudo de uma vez…)

Como citado, ninjas passaram a não ter mais a necessidade de serem orientais nem humanos. De uma hora para outra, a franquia foi perdendo o controle e apenas uma máscara, armas orientais e habilidades sobre-humanas já lhe identificavam como um membro do clã!

Só que a coisa toda foi caindo em um gosto popular surpreendente. Quando os criadores de histórias se deram conta, os ninjas já eram como zumbis: tudo com eles ficava melhor!

(“Tartarugas? Hum, não? Que tal Tartarugas que comem pizza? Hum, criativo, mas ainda falta alguma coisa! JÁ SEI! Tartaruas que comem pizza… NINJAS!”)

Ninjas hoje

Como os americanos perceberam que ninjas davam dinheiro, também perceberam que não dava pra gastar dinheiro com história que exaltassem a cultura e superioridade do povo oriental.

Resultado: depois de 77 reuniões, alguém chegou à brilhante ideia de “vamos criar ninjas americanos!”

E assim começaram a pipocar histórias de americanos que iam ao Japão aprender as técnicas “secretas” e mortais, para depois encher de porrada os próprios caras que treinavam aquilo há 800 anos! Não é fantástico?

(Ui…)

Passaram a ter cara de cachorro, de lego, de bolinha, de cartoon, de alienígena…

(Claro que ninja brasileiro iria ter cara de pau mesmo…)

E ninjas passaram dar dinheiro em games, livros, filmes, animações, RPG; qualquer coisa que se possa identificar os elementos da franquia!

(Robôs são legais… mas como poderíamos diferenciar isso de outros robos?… que tal… ah, vocês já entenderam como a coisa funciona…)

A franquia do imaginário ninja saiu das histórias e emaranhou cadernos, fantasias, bonecos, mochilas, lancheiras, camisetas…

(Bem, não deixa de ser…)

Ensinamentos ninjas “secretos” passaram a ser vendidos pela web. Hoje (se você pagar o preço certo, é claro!) você pode se tornar ninja por cursos de correspondência!

(“Ashida Kim” [ou Radford Davis para os íntimos] tem um segredo ninja para ganhar dinheiro…)

Você pode aprender a se tornar invisível, dar cambalhotas, atirar shurikes de verdade ou de plástico; pode até mesmo comprar no shopping sua própria bomba de fumaça!

(Cada mergulho é um flash…)

Essa popularização, como em tudo, gera elementos dos mais trash que não sentem problema em destruir qualquer boa lembrança de uma lenda tão bacana em prol de uns trocados momentãneos.

(“Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas em vez disso eu… o que diabos eu estou fazendo?”)

Ok, é um fato: tudo com ninjas fica mais legal, mas… será que sempre?

(Bem, se um vampiro pode brilhar no sol, por que um ninja não poderia… sei lá… jogar golf?)

Contudo, existe um lado interessante na visão pop de hoje desses guerreiros.

É curioso como hoje o imaginário de “ser um ninja” se tornou uma metáfora para “ser phoda”.

O cara “ninja” é aquele cara cool, capaz de feitos surpreendentes, que deixam a todos de boca aberta.

O ninja hoje é O cara.

(Hoje em dia qualquer um pode ser um ninja moderno…)

Como tudo na cultura pop, esperamos sinceramente que o futuro dos ninjas não seja se tornar emo.

(Não, não, aí desiste…)

E para finalizar, lembra que ao longo desse post houve comparações entre a popularidade do clã e dos zumbis?

Afinal, e se zumbis são tão legais… e se ninjas são tão cool… será que ninguém nunca pensou em…

Desista, amigo. Nem continue a frase.

Afinal de contas, você já conhece a cultura pop…

ps: e para você, afinal, por que ninjas rock?

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