Cervas da Europa Parte 3: Guinness

Depois do Grande Festival da Cerveja da Grã-Bretanha, em Londres, todos os presidentes das cervejarias decidem sair pra tomar uma. O presidente da Corona senta e diz: “Hola señor, eu gostaria de beber a melhor cerveja do mundo, a Corona”. O barman tira o pó de uma garrafa e a serve. O CEO da Budweiser diz: “Eu gostaria de beber a melhor cerveja do mundo, me dê uma ‘King Of Beers’, a Budweiser”. E o barman lhe entrega uma garrafa. O presidente da Coors então diz: “Vou beber a única cerveja feita com a puríssima água das montanhas rochosas, me dê uma Coors”. E a garrafa lhe é servida. Então o chefe da Guinness senta e diz: “Me vê uma Coca-Cola”. O barman toma um susto, mas serve o refrigerante. Os outros presidentes das cervejarias perguntam incrédulos: “Por que você não vai beber a Guinness?”, e o presidente da Guinness responde: “Bom, já que vocês não vão beber cerveja, também não vou…”.

Vejam que a piada mostra como é difícil comparar as cervejas européias com as demais. E entre todas as do Velho Continente, existe uma irlandesa que se destaca. É claro, são muitas as concorrentes. Podemos discutir eternamente sobre determinadas qualidades ou fraquezas de cada uma delas, porém nenhuma terá a aura da Guinness.

Sua história começa com um mordomo chamado Richard Guinness. Morador de Dublin, ele era funcionário do Arcebispo de Cashel (Arthur Price) e tinha como uma de suas atividades produzir cerveja para os demais empregados do patrão. Seu filho Arthur o acompanhou desde cedo em suas tarefas diárias e acabou aprendendo a arte de fazer cerveja.

Aos 34 anos decidiu ter uma cervejaria só sua. Arrendou a St. James’s Gate Brewery por 45 libras anuais usando um contrato que determinava um prazo de 9000 anos de uso do local (isso mesmo, nove mil anos!). Na década seguinte se concentrou em melhorar a qualidade da bebida e revolucionou o mercado de seu país. Se antes toda a cerveja da Irlanda era importada da Inglaterra, agora graças à Guinness os ingleses estavam tomando um produto irlandês.

Parte desse sucesso se deveu à inteligência de Guinness em escolher produzir uma cerveja de fermentação alta (Ale) no então novo estilo Porter (ou stout), uma bebida escura e de sabor mais marcante do que as populares Pilsen.

Se Arthur desenvolveu o produto e formou as bases da empresa, seus descendentes foram capazes de transformar a Guinness numa marca global. Assim como outras cervejarias, eles também apostaram na fabricação de bebidas cada vez mais refinadas e investiram pesado na expansão de seus mercados internacionais.

Parte dessa fama alcançada pela cerveja surgiu obviamente da publicidade. Em especial por um tipo de propaganda diferente, baseada na criação de fatos noticiáveis sobre a marca. Não bastava só fazer cartazes, anúncios de rádio ou comerciais para a televisão. Era preciso criar um tipo novo de informação para agregar um valor ainda maior ao produto.

Desse pensamento surgiu a idéia de passar aos consumidores a maneira adequada de consumir uma Guinness, mostrando desde a taça correta para isso até o tempo perfeito para encher um pint (acredite, 119.53 segundos!). Aliás, no afã de convencer os barmans a respeitarem o tempo correto de completar a taça, a Guinness começou uma das campanhas mais memoráveis da propaganda. Ninguém gosta de esperar muito para tomar uma, então eles tinham nas mãos um problema bem complicado de resolver. Porém, fizeram isso com grande elegância aos criar o slogan “Good things come to those who wait” (as coisas boas vêm para aqueles que esperam). Veja o caso desses caras aí, o tanto que eles esperaram:

É um simples processo de convencimento, tornar a espera algo justificado diante da promessa de estar consumindo a melhor cerveja do mundo.

Vencedor e menções honrosas

O vencedor do concurso para ganhar o Guia Ilustrado Zahar – Cerveja foi o Flatelo Araújo. Ele vendeu muito bem a história da Guinness e trouxe ótimas informações que me ajudram a compor o post. Cabe uma menção honrosa pelo bom humor do Alex Rodrigues, outro leitor que me enviou a seguinte mensagem, muito direta aliás: “sugiro fazer sobre a marca Guinness, da Irlanda. Não vou fazer muito ti ti ti a respeito. O senhor não pode falar de cervejas da Europa sem mencionar uma cerva da Irlanda, a gente já começa a conversa por aí. E se tem uma coisa que irlandês sabe fazer é cerveja. As outras duas são transplante de fígado e roubar potes de ouro dos duendes. Passar bem.”

O Guilherme Barros está morando há sete meses na Alemanha e me falou da cerveja 5,0. Segundo ele na lata do produto vem escrito a seguinte mensagem: Nur eine einfache schwarz-weiße Dose! Keine goldene mit aufwändiger Prägung! Nur eine simple Gestaltung! Keine teure TV-Werbung! Die Ersparnis geht an Sie! (Apenas uma simples lata branca e preta! Sem letras douradas elaboradas! Apenas um design simples! Nenhuma cara publicidade de televisão! A economia vai para você!). O nome se deve ao fato da cerveja conter 5% de álcool. A empresa não gasta com propagandas e mesmo a lata é muito simples, sem frescurinhas (foto), fazendo com que o preço saia por menos de 40 centavos de Euro. E você ainda pode devolver a lata e lucrar mais alguns centavos, o preço final é muito baixo (perto de uns 20 centavos).

Quero citar também o Vinícius Prado. O cara sugeriu a belga Hoegaarden, mas acabou não falando nada sobre a cerveja. Falou somente sobre a sua fraternidade de cervejeiros chamada Santo Néctar Dourado lá de São Paulo. O rapaz é realmente viciado no negócio de degustação e há quatro anos mantém com os amigos essa confraria.

Já o Bruno Henrique Dias demonstrou sua devoção histórica pela cerveja Weihenstephaner. Porque falar dela? De acordo com o Bruno:

Porque vem da cervejaria mais antiga do mundo! A história da Weihenstephan começa um pouco antes de seu surgimento em 1040. No ano de 725 São Corbiniano fundou um monastério Beneditino em Nähberg Hill, o Monastério Weihenstephan. Em 955 os hunos (bárbaros) atacaram e destruiram completamente o monastério, porém os monges beneditinos que moravam ali colocaram a mão na massa e o reconstruíram. A partir 1040 começa a história do monastério como uma cervejaria. O abade Arnold (cara que mandava dentro do monsterio) conseguiu a licença para vender cerveja para uma cidade próxima, a cidade de Freising, assim nascia a cervejaria Weihenstephan! Tudo indo bem, padres bebendo e fabricando cerveja… mas tempos bons passam rápido, em 1085 começa um período catastrófico para o monastério. De 1085 até 1463 o monastério pega fogo 4 vezes, é destruído e/ou despovoado devido a 3 tipos de pestes/pragas, escassez de comida e um grande terremoto. Se você pensa que já estamos na desgraça, ainda consta um episódio em 1336 onde os hunos atacaram novamente o monastério e destruiram tudo. Com ajuda dos Bavários os monges Beneditinos reconstruiram novamente o monastério e a cervejaria. 1516 foi um ano marcante para quem gosta de cerveja. Neste ano o rei Duke Wilhelm IV criou a lei de pureza da cerveja, ou chamada a “Reiheitsgebot”. Esta lei determinava que para na produção de cerveja somente poderiam ser utilizados malte de cevada, lúpulo e água, mais tarde o fermento. A lei da pureza não afetou a produção da cervejaria Weihenstephan que já seguia esse preceito. Novamente tudo indo bem, isso significa que algo ruim esta prestes a acontecer e não foi diferente. Em 24 de Março de 1803 uma assinatura fez o que as catástrofes e o hunos não conseguiram… o monastério foi dissolvido. Todos os bens e direitos do monastério Weihenstephan foram transferidos para o estado da Bavária, mas isso não afetou a produção de cerveja. No ano de 1852 a Escola Central de Agricultura muda de Schleissheim para o monastério de Weihenstephan. Em 1895 a escola é promovida para academia e em 1919 vira a Universidade de Agricultura e Cervejaria sendo incorporada a Universidade Técnica de Munique em 1930 o que torna o monastério de Weihenstephan o maior ponto de referência para a tecnologia em cervejaria da época onde mestres cervejeiros do mundo todo foram formados. Sem mais catastrofes, em 1923 a cervejaria muda seu nome pelo qual é conhecido até hoje: “Bavarian State Brewery Weihenstephan”. Atualmente é a cervejaria mais moderna do mundo, fabricando diversos tipos de cerveja, dentre elas a Weihenstephaner Original, um clássico.

Finalmente temos o Guilherme Machado e a história da cerva belga chamada “Delirium Tremens”. Esta cerveja recebeu este nome devido ao seu alto teor alcoólico (8,5%), nome que também faz referencia à “abstinência” associada ao álcool (em latim: delirius tremens). Eu achei maneiro!

Curiosidade de Sobremesa

1 – Eu nem ia fazer Sobremesa hoje, o conteúdo já está enorme, mas esse dado é importante demais. Guinness World Records e cerveja Guinness, qual a ligação? Eis que Hugh Beaver, um dos diretores da empresa, estava certo dia caçando pássaros com os colegas. Começou então um debate: qual seria o pássaro mais rápido? A discussão foi tão acalorada que o pessoal decidiu consultar alguns livros, porém acabaram não achando a informação. Beaver pensou então em como seria legal ter um livro que catalogasse esses conhecimentos. Contratou dois pesquisadores e pediu que eles criassem uma lista de recordes. Surgia assim em 1955 o que mais tarde seria o maior fenômeno editorial da história.