Darwin te Ama

Um homem barbudo que revelou quem somos, de onde viemos e cujas descobertas são essenciais para compreender e definir para onde iremos. Há duzentos anos, em 12 de fevereiro de 1809, nascia Charles Robert Darwin, cuja Teoria da Evolução se mostraria uma das mais poderosas idéias científicas já concebidas – quem somos, de onde viemos e para onde iremos são questões respondidas de forma ainda mais revolucionária porque o são no plural. Darwin descobriu que todos temos uma ascendência comum, somos parentes, não apenas entre humanos, como entre todos os seres vivos.

Muito oba-oba simplesmente por uma “teoria”? Somos realmente macacos, viemos do puro acaso e iremos para um mundo sem deus onde tudo vale? Afinal, a banana é uma criação divina?

Comemorando o Dia de Darwin no Ano de Darwin, compilamos e resumimos algumas respostas e links variados para entender melhor como Darwin Te Ama.

SOMOS MACACOS?

Somos grandes primatas, da família Hominidae, onde também se incluem os chimpanzés, gorilas e orangotangos. Há não mais do que cinco milhões de anos atrás nós e os chimpanzés éramos uma mesma espécie, e aqui está a verdadeira sacada: era uma espécie ancestral que não era nem humana, nem um chimpanzé. A rigor, também não era exatamente um macaco.

A rigor, e esta é outra informação que pode surpreender, mesmo chimpanzés, gorilas e orangotangos não são macacos. São grandes primatas, como nós. Chamar um chimpanzé de macaco pode ser comum, mas cientificamente é como chamar um cachorro de gato. Pertencem a famílias taxonômicas diferentes.

E, esteja certo, essas não são frescuras científicas, as diferenças entre macacos e grandes primatas vão bem além de rabos, ou a ausência deles. Se convivêssemos comumente com chimpanzés e micos, por exemplo, as diferenças entre os grandes primatas e os macacos ficariam tão claras quanto as de um latido e um miado. É apenas nossa distância de nossos parentes mais próximos que nos faz achar que são todos iguais.

Desta forma, somos tão “macacos” quanto chimpanzés, o que é responder tanto sim como não à questão popular ancestral. Perceber que a resposta a uma pergunta leva a mais perguntas é uma das características centrais da ciência. E, afinal, longe de nos diminuir, este entendimento científico baseado em farta evidência (leia o link abaixo), sim eleva nossos parentes mais próximos. Eles têm tanto algumas de nossas virtudes, como muitos de nossos defeitos.

Você e todos nós só temos a ganhar ao entender como a Teoria da Evolução nos relaciona com os outros animais pelo planeta. Darwin Te Ama.

Leia mais: Homo troglodytes? – Apontamentos sobre a relação evolutiva entre homens e chimpanzés. Projeto Evoluindo – Biociência.org.

APENAS UMA TEORIA?

Do mais importante ao menos importante:

Fatos > Leis > Teorias > Hipóteses

É como entendemos comumente estas palavras. Curiosamente, como Genie Scott comenta em “Evolution vs. Creationism”, cientistas as entendem de forma bem diferente:

Teorias > Leis > Hipóteses > Fatos

Absurdo? Antes de mais nada, é preciso deixar claro que nenhum cientista que se preze defenderá que as teorias precedem os fatos. Fatos, observações, sempre podem contrariar a mais bela e elegante das teorias. Nada é tão sagrado a ponto de não poder ser contrariado por um simples fato. Pelo menos em ciência.

Um fato, no entanto, mesmo uma coleção de fatos por si só não tem muito valor. Simplesmente observar e descrever o mundo criará tão somente um gigantesco livro de registros sem fim e sem critérios. Seria grosso modo como a Internet sem o Google. É preciso classificar, e mais além, entender os fatos. Para tal surgem hipóteses, que podem resultar em leis, que podem finalmente fazer parte de teorias. Teorias capazes de explicar e, o mais importante, prever um grande número de fatos observados. O Google ainda está um pouco longe de tal, e aí se percebe também a sofisticação e o valor que teorias científicas realmente têm.

A história da humanidade e do cosmo, até onde sabemos, se estende por mais de 13 bilhões de anos em um infinito Universo em expansão. Registrar todos os “fatos” que já ocorreram seria simplesmente impossível. “Simples” teorias, contudo, surgidas na massa de pouco mais de um quilograma de alguns grandes primatas há apenas alguns séculos permitem resumir e entender boa parte dos principais eventos nessa longa história, de forma tão “simples” que outras massas cinzentas de outros míseros grandes primatas até conseguem estimar a idade de nosso planeta e o tamanho do Universo observável. Sabemos que os átomos de nosso corpo são restos de estrelas que explodiram espetacularmente há bilhões de anos a vastas distâncias com tanta certeza quanto podemos dizer que o Acre existe. Uma simples coleção de fatos jamais permitiria tal entendimento.

E é assim que teorias podem ser muito mais importantes do que fatos. O que é apenas uma introdução ao pequeno detalhe de que a evolução é tanto uma teoria quanto um fato, de forma que seja popular ou cientificamente, Darwin Te Ama. Prefira você a segurança dos fatos diretamente observados ou a profundidade das teorias capazes de colocá-los em contexto, Darwin Te Ama.

Leia mais: Evolução como fato e teoria, Stephen Jay Gould.

ORDEM SURGINDO DA DESORDEM?

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Definitivamente, Evolução não ocorre ao acaso. Ao contrário do que afirmam muitos críticos, a evolução biológica não ocorre ao acaso. Não é difícil encontrar textos de críticos com longos argumentos sobre como a aleatoriedade da evolução não poderia proporcionar a variabilidade da vida, ou mesmo a evolução das espécies. Tal atitude é conhecida como falácia do espantalho, onde uma argumentação é feita com base em fatos ou características deliberadamente distorcidas, ridicularizando ou escarnecendo o tema debatido, tornando os argumentos contrários mais atraentes. Uma vez que a evolução biológica não é aleatória, qualquer argumentação baseada nessa premissa é falsa, seja ela fruto de ignorância ou má fé.

Mas afinal, o que torna a evolução biológica não aleatória? Sem mesmo cunhar o termo “Evolução”, Darwin nos explica, com a publicação de “Sobre a origem das Espécies”, que as espécies sofrem mudanças ao longo das gerações, e que um processo chamado de “Seleção Natural” atua escolhendo os indivíduos que transmitirão suas características aos descendentes. Em outras palavras, a Seleção Natural determina quem viverá o tempo suficiente para se reproduzir, através do instinto básico de perpetuação da espécie.

Se há uma seleção, não pode haver aleatoriedade. Não existe seleção ao acaso. Darwin Te Ama.

Continue lendo: Seleção Natural, Projeto Evoluindo – Biociência.org.

MAS UM RELÓGIO NÃO PRECISA DE UM RELOJOEIRO?

A analogia do relógio de Paley é um dos argumentos mais proferidos por criacionistas. De início parece tão persuasiva, e refutá-la revela tanto sobre a evolução, que Dawkins escreveu um livro inteiro sobre o tema.

Pois bem, no ótimo vídeo acima — infelizmente apenas em inglês — cdk007 mostra como você poderia mesmo encontrar um relógio na praia se os relógios fossem organismos vivos submetidos à evolução através da seleção natural. Com Coldplay. Darwin Te Ama.

Continue lendo: Criando um Relojoeiro Cego

E QUANTO À “COMPLEXIDADE IRREDUTÍVEL”?

Depois do relógio de Paley, uma das idéias mais promovidas por criacionistas é a idéia de “complexidade irredutível”. Uma de suas formas de apresentação foi criada por Michael Behe, autor de “A Caixa Preta de Darwin”. Behe criou uma analogia que representa muito bem toda a idéia. A Analogia da Ratoeira.

Uma Ratoeira pode ser reduzida a basicamente 3 componentes, um dispositivo sensor, um gatilho e uma espécie de prensa que esmaga o infeliz camundongo, ou o dedo do incauto alguém que como eu, certa vez, teve o desprazer de ter tido uma vaga idéia do que o pobre animal deve sentir ao cair nesta armadilha.

Se o sensor que quando pressionado libera o “gatilho”, ou o gatilho, na verdade a mola, que empura a “guilhotina”, ou esta “guilhotina” que por fim finaliza o processo, forem removidos, a ratoeira inteira para de funcionar. Portanto, a ratoeira seria o exemplo de um sistema irredutivelmente complexo, que não pode prescindir de qualquer uma de suas partes, não funcionando sem uma delas e por isso, deve ser montada por uma inteligência.

Essa analogia é amplamente usada pelos defensores da Complexidade Irredutível como uma forma de demonstrar que certos componentes das células, tidos por eles como irredutivelmente complexos, não poderiam ter evoluído progressivamente, mas sim ter sido montados por uma ação externa. Perceba como cada um dos componentes da ratoeira é por sua vez razoavelmente complexo.

Assista então ao vídeo acima, onde John McDonald mostra como a ratoeira pode ser progressivamente simplificada, tendo diversos de seus componentes removidos, até que tenha sua complexidade reduzida a uma ratoeira que, embora tenha os três componentes listados por Behe, os manifesta de forma nada complexa. O vídeo está em inglês, mas as imagens são auto-explicativas. E Darwin Te Ama.

Leia mais: O relógio e a ratoeira.

DARWIN TE AMA?

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De passagem pelo Brasil, Darwin fez vários comentários interessantes em seu diário, como o de que:

“Se ao que a Natureza concedeu ao Brasil, o homem adicionasse seus justos e prósperos esforços, que país seus habitantes não poderiam vangloriar. Mas onde a maior parte resta em estado de escravidão e onde este sistema é mantido por um impedimento completo da educação, a força motriz das ações humanas, o que se pode esperar senão que o todo seja poluído pela sua parte”. — Diário do Beagle, 17 de março de 1832

Apesar da dura crítica, percebe-se certa compaixão do inglês pelo povo daqui. Charles Darwin era severamente contrário à escravidão, e é uma bela coincidência que tenha nascido no mesmo dia que Abraham Lincoln – também celebramos o bicentenário do nascimento do ex-presidente americano.

Darwin não foi, nem deve ser cultuado, apesar das brincadeiras que fizemos aqui. Ainda que tivesse subitamente abraçado a deus e aceito a história de Adão e Eva antes de sua morte, o que não fez, nada disso representaria algo sobre a validade da Teoria da Evolução, que é pelo que efetivamente celebramos seu nascimento.

O barbudo era ateu  — ou agnóstico, dependendo de seu entendimento dos termos. O que é bem lembrado por ateus, por outro lado, de forma independente Alfred Wallace, notório espiritualista, também formulou boa parte dos conceitos básicos da evolução. E, aos desavisados, o Vaticano reconhece que a fé católica não contrapõe a evolução.

Se não deve ser cultuado, há contudo mais do que motivo para celebrá-lo. Nesta coluna, comemorando o Dia de Darwin (com atraso) e especificamente o aniversário do homem que foi um dos maiores contribuidores a uma das maiores teorias científicas, espero ter apresentado alguns esclarecimentos às dúvidas e enganos mais comuns, contrariando particularmente o criacionismo.

Em novembro celebraremos os 150 anos da publicação da “Origem das Espécies”, e deveremos ter mais uma coluna dedicada especialmente a apresentar em detalhes como a Teoria da Evolução não só é provada, como foi e é aplicada. Então veremos melhor como sua compreensão é determinante também para nosso futuro. As loiras serão extintas? Perderemos todo o cabelo? Viraremos entidades espirituais de luz para vagar para planos superiores?

A Teoria da Evolução não responde definitivamente quem somos, de onde viemos e para onde iremos, claro. Como vimos mais acima, as revelações de Darwin foram científicas: são respostas que acabam gerando mais perguntas.

Enquanto isso, aprecie a pregação de Nezareth Casti Rey:

Nezareth, Darwin Te Ama, embora talvez tivesse alguns comentários a fazer sobre seus pais. Darwin esteve cercado por crianças: teve nada menos que dez filhos. Vários deles se tornaram figuras eminentes na ciência e outras áreas. Mas então, esses são apenas detalhes da vida de um homem barbudo.

Confira mais no Projeto Evoluindo e na Darwin Magazine. Ah, e se quer saber se a banana é a prova definitiva da criação de deus, conheça o argumento do Pequi.