O Apocalipse Maia e o Excel

Uma antiga civilização de programadores nos deixou um legado que é peça-chave para compreender o Apocalipse Maia prognosticado para este ano de 2012.

O nome deste legado é Excel.

Descubra como munido deste programa do pacote Office você poderá compreender alguns dos mistérios pré-colombianos e encarar melhor o Fim do Mundo!

A Contagem Longa do Excel

Para acompanhar a passagem do tempo em períodos longos, os antigos meso-americanos usavam um calendário conhecido como a Contagem Longa. E ele lidava com períodos muito longos: começa no dia 11 de agosto de 3.114 A.C, data de criação do mundo dos humanos de acordo com sua mitologia, quando o Senhor no Alto do Céu lançou três rochas que marcaram o centro do Cosmos e revelaram o Sol. Cada dia passado é contado a partir de então.

O dia de hoje, por exemplo, 18 de fevereiro de 2012, é o dia 1.871.693 desde a criação do mundo – segundo os maias – e pela Contagem Longa basta indicar esse dia. Em vários aspectos essa forma de contar o tempo é mais simples para lidar com longas passagens de tempo.

E é tão mais simples que quando os antigos programadores elaboraram as primeiras planilhas eletrônicas, limitados por recursos de memória e processamento, fizeram o mesmo. Até hoje, quando você digita uma data em uma célula do Excel, a planilha não armazena os dias, meses ou anos. Ela apenas armazena o número de dias passados desde o início de sua contagem, e a converte automaticamente em uma data no momento da exibição. Faça o experimento: digite uma data, e depois formate a célula como um número. Onde antes havia uma data, como 18/02/2012, surgirá um número, como 40.957, que é o número de dias passados desde o início da Contagem Longa do Excel.

Como os bytes eram escassos, no caso particular do Excel o início da contagem não foi estabelecido como a criação do Universo com o Big Bang, ou mesmo com aquela data que marca o início da era Cristã. O dia zero da Contagem Longa do Excel é simplesmente o dia 0 de janeiro de 1900. Um dia que, é preciso notar, não existiu. Assim como o dia 29 de fevereiro de 1900, que não foi realmente um ano bissexto, mas é contado pelo Excel, mas esta é outra longa história que remete a tradições mais milenares como o Lotus 1-2-3. O que vale mencionar aqui é que o Excel para Macintosh, evitando estes problemas, começa sua Contagem Longa no dia 1 de janeiro de 1904 – um dia que existiu, em um ano que foi bissexto. Mas cria outros problemas, uma vez que o Excel tem assim duas Contagens Longas com inícios diferentes e incompatíveis, o que pode causar confusão se você abrir uma planilha criada no MacOS em um Windows, e vice-versa.

De forma nada diferente, historiadores, arqueólogos e antropólogos não estão muito de acordo sobre o dia exato a que a Criação do Mundo Maia realmente corresponde em nosso calendário. A que mencionamos mais acima é apenas a mais aceita, e como veremos mais adiante, esse detalhe tem sua relevância para o Apocalipse.

Mas como essa forma de contar dias de forma linear a partir de uma data inicial leva mesmo ao Apocalipse?

O B’ak’tun do Excel

Uma planilha do Excel em sua versão mais moderna tem 1.048.576 linhas. Com um dia para cada linha, você começa com o dia 0/1/1900 na primeira linha, e termina com o dia 24 de novembro do ano de 4.770. Este é o dia do Apocalipse previsto pelo Excel, pelo menos a partir de sua versão 2007. Versões anteriores eram mais alarmantes: com apenas 65.536 linhas, os antigos programadores teriam vaticinado o Fim dos Tempos tão cedo quanto em 4 de junho de 2.079. Podemos estar vivos para assistir o Apocalipse profetizado pelas versões antigas do Excel!

Se isso parece um tanto supersticioso e pouco sofisticado, é porque realmente é. Em verdade o Excel pode lidar com datas até o ano de 9.999. Ou, mais fundamentalmente, apenas porque a forma particular com que você listou números em uma planilha e o programa os converteu em datas pode chegar a um fim, isso nada diz sobre alguma profecia ou cataclisma previsto.

Exatamente o mesmo ocorre com o calendário maia da Contagem Longa. Ao contrário de nós, eles não contavam usando o sistema decimal, e sim um sistema vigesimal, com 20 dígitos. Eles contavam com os dedos dos pés. Muitas culturas e línguas ainda usam o sistema vigesimal ou têm resquícios desta forma de contagem, incluindo mesmo a língua francesa – onde o 80 é chamado de “quatro-vintes”.

O sistema vigesimal maia foi levemente adaptado para a Contagem Longa. Cada dia era um k’in, cada 20 dias era um winal, e cada 18 winals eram um tun. Com isso um tun tinha 360 dias (ao invés de 400, se o sistema vigesimal fosse adotado em todas as posições), o que se aproximava melhor do ano solar. Mas partir daí, 20 tuns eram um k’atun, e 20 k’atuns eram um b’ak’tun. Multiplique tudo, e cada b’ak’tun contava 144.000 dias, ou pouco mais de 394 anos.

Aqui está finalmente a chave para compreender 2012 e o tal do apocalipse maia. O dia zero da contagem longa maia é dado como 13 b’ak’tuns, de onde a era anterior se encerrava e começava a atual. E se a era anterior durou 13 b’ak’tuns, estudiosos ocidentais e então místicos e vendedores de livros e todo tipo de bugigangas presumiram que esta era também deve durar 13 b’ak’tuns.

E o décimo terceiro b’ak’tun será alcançado, você adivinhou, em dezembro de 2012. Dependendo do ano em que se calcula o início da era atual, o dia exato pode ser 21 ou 23 de dezembro de 2012. Ou, segundo alguns estudiosos, o ano zero da Contagem Longa maia atual foi em verdade 3.374 A.C., o que significaria que 13 b’ak’tuns foram alcançados no século 18 e o Fim do Mundo maia, ou mesmo as “grandes transformações” de uma nova era já passaram há muito.

Tudo isso é tão arbitrário quanto abrir uma planilha do Excel e acreditar que quando as colunas chegam até o “Z” e passam ao “AA”, ou mesmo ao “AAA”, estaríamos assistindo ao fim de uma era. O sistema de colunas do Excel, aliás, conta 26 letras, não tão diferente do sistema vigesimal dos maias.

Você pode se perguntar se toda a excitação em torno do fim de 2012 gira apenas em torno disso. Não haveria alguma inscrição prevendo grandes cataclismas? Um poema estabelecendo o fim da humanidade? A resposta é não, toda a excitação gira em torno apenas da interpretação de um dos calendários maias.

Apocalipse Office

Os antigos meso-americanos celebravam sim o fim de cada ciclo, em seus muitos calendários, é bem verdade. Exploramos aqui a Contagem Longa, mas eles lidavam com diversas outras formas de contar a passagem do tempo. Sem dúvida a chegada do 13º b’ak’tun seria vista como uma data importante. Contudo, aqui está algo que poucos que querem lucrar com o “Fim do Mundo” irão lhe contar: não só não estamos certos sobre a correspondência entre a Contagem Longa e o nosso calendário atual – motivo pelo qual, como vimos, o 13º b’ak’tun pode ser neste ano, ou já ter passado há quase 300 anos – como não existe nenhuma fonte definitiva que estabeleça que a era atual duraria também 13 b’ak’tuns.

Sabemos que a Segunda Era para os astecas durou 7 ciclos, e a terceira apenas 6 ciclos. Com isso, fica claro que nada estabelece que eras sempre deveriam durar 13 ciclos. Sabemos também que os próprios maias tinham contagens acima do b’ak’tun, e, veja só, uma estela em Palenque conta nada menos de 20 b’ak’tuns para compor uma unidade acima, um Piktun. O que faz muito mais sentido, dado sua contagem vigesimal. E haveria ainda contagem de 20 Piktuns, compondo um Kalabtun; 20 Kalabtuns, compondo um Kinichiltun; e 20 Kinichiltuns, compondo um Alautun. Um Alautun seria desta forma uma contagem de dias realmente longa: mais de 23 bilhões de dias, estendendo-se por mais de 63 milhões de anos. O mundo não acabaria tão cedo.

Nem mesmo o Excel conta datas tão longas, e espero que tenha ficado mais claro que você teria mais motivos para temer o fim do mundo de um programa do pacote Office do que aquele supostamente revelado pelos maias. De verdade: além de planilhas eletrônicas, um dos programas mais usados por militares americanos é o Powerpoint. Decisões envolvendo milhares de vidas e armas que podem realmente provocar o fim do mundo que conhecemos em uma chuva de fogo são apresentadas e discutidas em slides.

Isso sim deveria assustar a todos nós*.

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Este post faz parte da Blogagem Coletiva 2012: O Último Carnaval?

Blogagem coletiva Fim do Mundo

* E com este final vocês podem estar certos de que este post não foi patrocinado. Mas podemos escrever sobre seu produto e o Fim do Mundo a qualquer momento! Fale com o departamento comercial do S&H agora mesmo!
** Com agradecimentos ao André pela sugestão do tema.