Um pixel, da Terra à Lua, ao infinito e além

terra_lua_escala

Criada por Drew Olbrich, a imagem acima representa corretamente na mesma escala os tamanhos e distâncias da Terra à Lua. Estamos acostumados a ver o conjunto ilustrado de forma artística, ignorando as devidas proporções, e tal é compreensível dado quanto espaço vazio existe entre os dois corpos. Mas esta é a realidade: o espaço é um grande vazio. Para ter a perspectiva correta acima, basta se posicionar a aproximadamente 560.000 km de distância. Visite a página de Olbrich e confira versões em maior resolução do conjunto.

“Esta imagem tem maior impacto se você a fizer preencher toda a tela e desligar todas as luzes na sala”, aconselha Olbrich. “Observe-a por algum tempo e tente imaginar que está no espaço olhando para trás através de um tipo bizarro de portinhola”.

Falando em maior resolução, ao contemplar a imagem, pensei como estaria representada em tamanho a espaçonave Apollo na imagem acima. Certamente seriam pontos tão ínfimos que não surgiriam na imagem. A pergunta elementarmente nerd: qual deveria ser a resolução mínima da imagem para que os módulos surgissem como um único pixel?

Apollo_11_lunar_mod

Bem, os módulos de comando e serviço possuíam uma altura de 11 metros. Somado a eles estava o módulo lunar, que pousou na Lua, com pouco mais de 6 metros. Sejamos generosos (e aritmeticamente preguiçosos) e consideremos que todo o conjunto tenha um tamanho de 20 metros. Se ocupassem um único pixel, então os 400.000 km, ou 400 milhões de metros de distância da Terra à Lua, ocupariam 20 milhões de pixels.

Vinte milhões de pixels seriam o equivalente a 10.417 televisões Full-HD, com 1980 pixels na horizontal, dispostas em uma longa linha. Se o monitor de seu computador tiver a resolução de 1024 pixels na horizontal, você precisaria enfileirar nada menos que 19.531 deles para obter 20 milhões de pixels. Caso o monitor meça 40 centímetros de largura, seriam quase quatro quilômetros de monitores.

Em meio a estes quilômetros de milhares monitores, um singelo ponto, um único pixel em movimento representaria na escala correta a espaçonave Apollo. Todo o resto seria espaço vazio. Qualquer partícula de poeira que caísse sobre a tela poderia cobrir todo o pixel. Um único pixel defeituoso já estragaria toda a brincadeira. E os três astronautas em seu interior seriam muito menores que este pixel singular. Eles continuariam sendo pequenos demais para representar mesmo um único pixel em quilômetros de monitores.

Agora imagine estar dentro deste único pixel.

Michael-Collins

“Agora estou verdadeiramente só e absolutamente isolado de qualquer vida conhecida”, escreveu Michael Collins enquanto orbitava sozinho a Lua. Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisavam em nosso satélite pela primeira vez na heróica história destes macacos pelados, todos cobertos de roupas. A solidão de Collins pode não parecer tão grande ao imaginar que, apesar de distantes da Terra, seus dois amigos estavam “logo abaixo”, a 105 km de distância. Collins, porém, estava em órbita ao redor da Lua. A menor distância a seus dois colegas era de 105 km, quando estivesse imediatamente acima deles. Mas ele continuava em órbita. Durante suas revoluções ao redor do satélite, Collins sobrevoou o lado oculto da Lua, onde não só não podia ver Armstrong ou Aldrin, como toda sua comunicação com a Terra se tornava impossível. Foi neste momento que se sentiu “verdadeiramente só”.

Collins também confidenciou em suas notas naqueles momentos: “meu terror secreto nos últimos seis meses foi ter que deixá-los na Lua e regressar à Terra só”. Tente conceber ser menor que aquele único pixel, a 400.000 km de distância, percorrendo absolutamente sozinho quase quatro quilômetros de monitores. “Agora estou a minutos de conhecer o desfecho. Se [Armstrong e Aldrin] não conseguirem sair da superfície, ou se acidentarem na tentativa, não irei me suicidar, mas regressarei à casa e serei um homem marcado pelo resto da vida”.

Palavras tenebrosas que revelam uma dimensão pouco conhecida da missão Apollo 11 e o “astronauta esquecido”, detalhadas (em inglês) em um excelente artigo de Robin McKie para o Guardian. Sabemos que, afortunadamente, nada disso ocorreu. Não apenas na Apollo 11, como em todas as outras viagens tripuladas à Lua, a solidão humana foi limitada sempre a três passageiros fazendo companhia uns aos outros.

O que lembra algo.

Como estamos, somos mais de seis bilhões de passageiros ao que, nas palavras popularizadas por Buckminster Fuller, é a Espaçonave Terra. Não estamos sós, mas toda companhia que temos é a que fazemos uns aos outros. E enquanto a Terra surge como uma esfera definida na imagem acima e ocuparia muitos e muitos monitores à resolução de 20 milhões de pixels na horizontal, mesmo nosso planeta não é especialmente grande. E é apenas um.

Seria impossível não encerrar este texto sem lembrar que assim como a nave Apollo pode representar um único pixel em milhares de monitores, mesmo o planeta Terra representa um único pixel quando visto à distância suficiente, às margens do sistema solar. É o Pálido Ponto Azul. Os temores de Collins quando sozinho em sua nave não revelam fraqueza, revelam a mais perfeita sanidade. São os temores que todos precisamos ter ao lembrar que, a despeito da probabilidade de vida pelo sistema solar e mesmo vida inteligente na Galáxia, até onde sabemos estamos “verdadeiramente sós”, “absolutamente isolados de qualquer vida conhecida” além de nossa própria.

O abismo de solidão que Collins vislumbrou é o mesmo abismo que todos nós, em nosso único Pálido Pixel Azul, contemplamos desde que surgimos na face do planeta. A maioria de nós simplesmente ainda não se deu conta.

Devemos prezar pelo nosso pixel. E conquistar outros pixels, indo ao infinito e além, para quem sabe conhecer outras formas de vida, “indo aonde nenhum homem jamais esteve”, ou ao menos semear pixels com mais macacos pelados. Não é uma fantasia nerd de ficção científica. Deve ser um anseio natural de toda a espécie humana.

Collins venceu o abismo e retornou a salvo com seus companheiros, cinco outras missões venceram 400.000 km de distância, pousaram na Lua e voltaram ao lar. e apenas tentarmos, somos capazes de feitos tão literal e absurdamente grandiosos que por vezes mal podemos compreendê-los.

– – –

Este exercício de compreensão intuitiva de escala também serve para entender por que não se pode, mesmo com o telescópio espacial Hubble, em órbita da Terra, capturar imagens dos módulos deixados pelas missões na superfície lunar. Eles são muito menores que a menor unidade de resolução mesmo do Hubble. Imagens muito recentes dos artefatos e mesmo pegadas deixadas pelos astronautas só foram possíveis porque o satélite que as capturou estava em órbita lunar. Ilustração da escala Terra Lua via Chongas, comentários de Collins via Fogonazos. Esta foi uma reprodução do original publicado em 100nexos.