Cuba: 7 momentos antes da visita de Obama

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No próximo domingo o presidente estadunidense Barack Obama fará sua primeira visita oficial a Cuba. Até agora esse é o gesto mais relevante no processo de reaproximação dos dois países. É difícil prever o que acontecerá daqui para frente, mas certamente as coisas vão mudar na ilha de Fidel Castro.

Há seis meses estive lá e pude testemunhar os últimos momentos dessa velha Cuba que começa a ficar para trás. O tempo foi muito curto e eu não ousaria tentar explicar país tão peculiar baseado nas observações feitas em apenas uma semana. De qualquer forma – sob o risco de desperdiçar um contexto tão relevante – me permito narrar as cenas mais marcantes observadas nas duas cidades que visitei. Sei que a própria escolha dos recortes já configura um juízo de valor, mas creiam que escrevi com o maior grau de isenção possível.

1.

Nas proximidades do Capitólio notei uma fila de garotos na porta de um estabelecimento. Lá dentro um longo balcão e as fotos de Che, Fidel e Cienfuegos coladas na parede. No fundo alguns alvos surrados pelo agredir contínuo dos projéteis. A fachada com o desenho de uma arma e os dizeres “Campo de Tiro Recreativo Popular mantido pela Associação de Combatentes da Revolução Cubana” evidenciava a iniciativa do programa governamental “Educa teu filho”. Por alguns centavos os rapazes podiam atirar com as espingardas de pressão usando projéteis de chumbo.

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2.

No dia da reabertura da Embaixada dos Estados Unidos em Cuba a rotina do bairro La Habana Vieja permanecia imperturbável. Alguns velhos maltrapilhos reclamavam em voz alta de alguma coisa, mas ninguém ligava. Os edifícios antigos com seus amplos apartamentos transformados em pequenos cortiços ainda abrigavam nas sacadas as conversas cotidianas de seus moradores. Nas ruas abaixo o pequeno comércio pulsava nas esquinas entre carrinhos vendendo abacate e senhoras oferecendo xícaras de café. Vez ou outra alguém descia uma cesta para suspender um produto, o melhor modo de evitar o cansaço dos prédios sem elevador.

3.

Ao anoitecer no Malecon as bandas tocavam nos espaços deixados pelos prédios desabados nos terrenos à beira-mar. No calçadão há muitas belas esculturas. A brisa quente alivia muito pouco o calor enquanto os bares oferecem chips de banana e rum. Perto dali lugares famosos como o El Floridita seguem apinhados. O templo freqüentado por Ernest Hemingway se gaba de ter inventado o Daiquiri, mas animado mesmo é o La Bodeguita del Médio com seus Mojitos e bandas de música que nunca param de tocar.

4.

O trajeto até Varadero foi feito em um ônibus da empresa estatal de transportes rodoviários. O ar condicionado impecável do modelo chinês não lembrava em nada os famosos Cadilacs dos anos 1950 desfilando de capota aberta tentando espantar o calor. Na estrada pouco movimento e muito sono com a fluidez da pista bem conservada. Durante a parada na rodoviária de Matanzas vi pela janela um vendedor fritando bolinhos. Não se passavam quinze segundos sem que ele atendesse um cliente apressado.

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5.

O tatuador me disse que por dois anos seu prédio permaneceu desabastecido. A água não tinha pressão suficiente para atingir os canos dos andares mais altos e todos precisavam descer para encher os baldes. Apesar de sua profissão não ser regulamentada, ele trabalhava sem maiores problemas em seu pequeno apartamento compartilhado com a esposa, a filha pequena e o tio. Mostrou-me algumas palavras em hebraico grudadas na parede. Há alguns meses treinava o idioma com o objetivo de conseguir autorização para visitar Israel.

6.

Longe da região dos resorts a orla é mais vazia e muito agradável. Os cubanos comuns com casas à beira-mar alugam seus quartos para os turistas. Nos restaurantes os salões têm ar-condicionado e as opções são variadas. Há Ropa Vieja e arroz moro em porções bem servidas, além de todo tipo de frutos do mar. Nos mercados a primeira impressão é estranha para quem está acostumado com a hiper variedade dos varejos capitalista. As prateleiras não estão exatamente vazias, mas apresentavam somente produtos de uma mesma marca.

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7.

Um senhor que trabalhava em um barco – depois de confessar que planejava mudar-se para a Espanha – elogiou a educação e o sistema de saúde de Cuba. Por outro lado reclamava da ausência de eletrodomésticos e celulares mais modernos. Disse que o cubano médio ganha pouco, mas os serviços básicos custam pouco também. Água e energia elétrica são quase totalmente subsidiadas pelo Estado, por isso é comum receber uma conta na casa dos centavos. Dos seus 30 dias de trabalho do mês, a renda de 21 era obrigatoriamente para o governo. Precisava cumprir um objetivo diário de receitas que resolvia em apenas duas viagens até os corais. Não parecia existir qualquer fiscalização, mas o velejador parava o serviço assim que batia a meta, isso lá pelas nove da manhã.

Pedro Schmaus

*Fotos: Leandro Cordeiro