Pesadelo de Valsa com Bashir [Coluna de HQs]

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3322586033_3d5bd17038_mOlá, adeptos do sedentarismo! Bem-vindos à Sarjeta dos Quadrinhos, na qual mostramos as entrelinhas do universo das HQs.

Minha graça (ui) é Raphael Fernandes e sou (des)conhecido pelo meu trabalho como redator da revista Wizmania, especializada em HQs, e por editar a versão brasileira da MAD, a mais tradicional revista de humor do mundo (grandes bos%@$).

Um pesadelo de Valsa

Estréia hoje (13 de março) nos cinemas, o documentário de animação Valsa com Bashir do diretor e roteirista israelense Ari Folman, que resgata o trágico evento conhecido como o “massacre de Sabra e Chatila”, de 1982. O filme foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e venceu o Globo de Ouro 2009.

Folman também assina o roteiro da adaptação em quadrinhos homônima, lançada recentemente pela L&PM Editores, com arte de David Polonsky, o diretor de arte da animação. A HQ de Valsa com Bashir tem 118 páginas coloridas e custa R$ 46,00.

A grande diferença entre estas versões da obra é apenas a linguagem: a original a é do cinema e a adaptação é uma história em quadrinhos, pois o conteúdo das duas é idêntico. Seguindo esta lógica, o texto a seguir serve para analisar tanto uma quanto a outra, pois o nosso objetivo é apresentar o valor histórico e político destes relatos.

A reconstrução de um massacre

Valsa com Bashir mostra o próprio Folman tentando resgatar suas memórias perdidas de quando foi enviado ao Líbano pelo exército israelense em 1982. Convencido por um amigo, ele vai entrevistar seus antigos colegas em busca de respostas e acaba reconstruindo um dos mais trágicos episódios da história dos atuais conflitos no Oriente Médio.

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Folman apresenta por sua própria perspectiva o massacre de centenas (alguns grupos afirmam que foram mais de 1500 mortos) de palestinos em Sabra e Chatila, que eram campos de refugiados no Líbano controlados por israelenses. Este ataque foi executado por milícias cristãs, auxiliadas pelas tropas israelenses, entre os dias 16 e 19 de setembro de 1982.

waltz-with-bashirO Bashir do título vem de Basir Gemayel, líder libanês morto dois dias antes do início do massacre numa explosão em Beirute. Fazia apenas um mês que ele havia sido eleito presidente do país pelo Parlamento. A morte deste carismático líder libanês foi o estopim de uma retaliação contra os palestinos, que viviam naquele país em exílio.

Apesar dos militares israelenses não terem agido diretamente no massacre, o então ministro de Defesa do país, Ariel Sharon, é visto pela comunidade internacional como o responsável por aqueles assassinatos. Em 2001, a Anistia internacional e o Human Rights Watch pediram um inquérito sobre o papel de Sharon nos massacres, porém apesar de abandonar o cargo de ministro da Defesa, ele acabou se tornando o primeiro ministro do país e nunca foi julgado

Após a última entrevista, a memória recuperada de Folman nos revelada não mais com desenhos, mas as cenas reais do que ele realmente viu. Nem precisamos dizer que este é um momento emocionante e bastante impressionante.

História Oral e Psicologia

O método de recolher relatos de diversas pessoas para construir uma visão mais ampla de um fato é parte da “História Oral”, que consiste no uso da oralidade como documento histórico. Aqueles que gostariam de se aprofundar neste assunto devem consultar esta bibliografia.

waltz-with-bashir2Valsa com Bashir deste recurso de construção de um discurso histórico através de diversas entrevistas que vão completando um painel de informações, que é representado por uma animação abstrata na cabeça do próprio Folman. Nem precisamos dizer que as imagens destes “sonhos” são verdadeiras metáforas de tudo o que aconteceu naqueles dias e expressam muito bem os efeitos que o massacre causou naqueles jovens e inexperientes soldados.

O papel do analista Ori é o de nortear a busca por respostas de Folman e de apresentar os métodos psicológicos usados pelo roteirista para compreender por que não possui estas memórias. Como na cena em que revela que é muito fácil implantar uma memória falsa em uma pessoa através da indução de imagens. (Não encontrei de onde foram tiradas as referências psicológicas apresentadas na obra, será que algum leitor sabe me dizer de onde foram extraídas?)

Outro uso interessante da psicologia está nos detalhes da visão de cada soldado sobre os atentados. Em um dos casos, o autor conta a história de um fotógrafo que fingia estar de férias para não enlouquecer com o que estava vendo, mas que após ter sua máquina quebrada entrou em choque quando viu um estábulo com cavalos de raça mortos ou agonizando.

A obra tem também um teor autobiográfico, pois Folman era um dos jovens soldados israelenses enviados para “conter” o avanço da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) no país.

Outros quadrinhos no front palestino

2007-05-joesacco1A questão palestina já inspirou grandes autores a lançarem verdadeiros manifestos em quadrinhos sobre a difícil situação daquele povo. E quando se fala em Palestina e HQs, o primeiro nome que vem a cabeça é do quadrinista Joe Sacco, que desenvolveu o jornalismo em quadrinhos para retratar o cotidiano palestino.

Em seus álbuns “Palestina – Uma Nação Ocupada” (2000) e “Palestina – Na Faixa de Gaza”  (2005), ambas foram lançadas  no Brasil pela Conrad, Sacco registra o início dos anos 1990, quandoe visitou os territórios ocupados e a vida daquelas pessoas com uma visão bastante imparcial, mas com muita sensibilidade e esperteza. Alguns dos relatos contidos nestas obras são tão marcantes que elas são consideradas por muitos pesquisadores, como uma parada obrigatória para qualquer um que queira compreender os conflitos entre palestinos e israelenses, e as consequências desta guerra sem fim na vida das pessoas.

Outro que não podemos deixar de citar é o cartunista brasileiro Carlos Latuff, que abraçou com todas as forças a causa palestina. Apesar da distância, Latuff teve várias de suas charges utilizadas em manifestações e publicações em prol dos palestinos. Seu trabalho registra e critica o que aconteceu nos últimos 10 anos na Palestina.

Lembrando que ele não aceita nenhum tipo de pagamento por seus trabalhos relacionados ao tema. Não deixe de visitar seu site e conhecer a obra de um dos mais geniais artistas que lutam pelos direitos humanos.

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Ler o trabalho destes três autores vai te ajudar a compreender de forma mais ampla tudo que aconteceu com o povo palestino nos últimos 30 anos. E o melhor, através da linguagem dos quadrinhos que permite uma série de possibilidades que nunca seriam possíveis no cinema ou na literatura.

Palavras finais

Valsa com Bashir é aquele tipo de obra que se você explicar muito tira toda a graça da experiência que é ver ou ler sua história. Da empolgante introdução com os 26 cachorros famintos correndo até a janela da casa de seu assassino às chocantes imagens das vítimas e parentes dos que estavam ali, a obra é uma verdadeira pedrada em tudo o que sabemos e sentimos sobre este trágico marco na história humana. Seja pelas vítimas que morreram sem que um culpado fosse jugaldo ou pelo trauma emocional que uma guerra pode gerar em um jovem soldado.

Onomatopéias

Veja o trailer do filme:

Desde garoto sofre com as brincadeiras de seus professores que na hora da chamada insistem na piadinha “é o Júnior da Sandy?”. Otimista de plantão, acredita em duendes e no Brasil sem corrupção. Não ouviu o último do Caetano, mas achou uma merda. Leu todos os clássicos da literatura universal sempre com uma revista de sacanagem aberta no meio. Inventou a vassoura com MP3 player e câmera digital e pretende ficar rico com isso. Pretende fazer um mochilão a pão e água de Mossoró a Sinop no próximo ano. Nunca viu um disco voador e morre de medo de barata, “mas só daquelas grandes que voam”.