Y The Last Man – Amor e relacionamentos nos quadrinhos | Comics Addicted #8

modelo_new_azul.jpg y03Esta coluna era pra ter outro assunto: a homossexualidade nos quadrinhos e a caça às bruxas nos anos 50. Mas as vezes alguma situação provoca um tipo de reflexão quando menos se espera, e é impossível não descarregar isso em forma de texto. Comecei a reler “Y The Last Man”, uma vez que a série se aproxima de seu fim, e me surpreendeu a maneira completamente distinta que me afetou desta vez. Somente agora fui capaz de perceber a grande carga de sensibilidade e melancolia oculta em uma premissa que, a primeira vista, pode parecer extremamente chauvinista.

Girl Power

O sonho de muitas feministas radicais finalmente ocorreu: os machos dominadores e cruéis desapareceram da face da Terra e agora o mundo pertence ao “sexo frágil”, exceto por um jovem com problemas amorosos e seu primata de estimação. Yorick é um jovem aprendiz de escapista a la Houdini que mora em Nova York, tem um macaco chamado Ampersand, ama sua namorada Beth, embora ela esteja na Austrália estudando, e como muitos outros de sua geração, não sabe muito bem o que esperar do futuro. Enquanto pratica um truque novo e conversa com sua namorada ao telefone, Yorick não suspeita que, do lado de fora de seu apartamento, todos os mamíferos machos do planeta estão sangrando até a morte. No momento em que o jovem pediria a mão de Beth em casamento, a ligação é interrompida pela confusão que se forma na rua quando mais da metade da população mundial simplesmente cai morta.

y01O exercício de narrativa do escritor Brian K. Vaughn (atualmente roteirista do seriado Lost) é muito interessante. Como imaginar um mundo sem o cromossomo Y? Aviões sem pilotos. Nações sem comando. Exércitos aniquilados. Colapso da indústria e da pecuária. Milhões de corpos a serem enterrados. A iminência da extinção de todas as espécies. E o mais preocupante: milhões de mulheres totalmente desesperadas, reunidas nos mais variados tipos de comunidades e seitas. Existem desde aquelas que querem se certificar que a “praga masculina” realmente acabou, como aquelas que buscam um novo “Adão” para continuar a espécie.

Olhando por esse foco a história pode se basear apenas na política, ou na luta pela sobrevivência, ou então em sessões infindáveis de sexo para o protagonista. Mas o grande pilar da série é o amor de Yorick por Beth, e como esse sentimento pode sobreviver quando se está rodeado de mulheres querendo sua morte e outras tantas querendo reproduzir-se desesperadamente.

Fim de namoro

Todo homem que, de uma hora para outra, se vê afastado da mulher que ama acaba passando por alguns momentos muito característicos e, por isso, Y The Last Man pode ser vista como uma grande analogia ao fim dos relacionamentos, num ponto de vista, obviamente, masculino.

No começo vem a sensação de liberdade. O homem recém solteiro não é, mas se sente como o “último macho livre de sua geração”. Lá fora existe um mundo cheio de mulheres simplesmente desesperadas para conhecer um cara como esse. Yorick, como qualquer homem, avalia as possibilidades que esse acontecimento podem lhe trazer, mas não demora a notar que está com sérios problemas.

Para o último homem da Terra a solidão e o medo logo se mostram companhias inevitáveis. Além da mulher que ama achar que ele está morto (algumas ex-namoradas também costumam falar isso no mundo real), o fato de ser o último de sua espécie pode ser um tanto assustador. É quando ele percebe que mesmo no meio de uma multidão pode se sentir extremamente sozinho. As primeiras incursões na noite de um recém solteiro podem ser bem parecidas com a experiência de Yorick. Aquelas mulheres que antes pareciam sexy e atraentes agora parecem um bando de lunáticas e passam a desprezá-lo completamente, ou então estão desesperadas a ponto de tratar qualquer homem como se ele realmente fosse o último de sua espécie. E a mulher que o dispensou continua na Austrália, que pode ser um distante país na Oceania ou um recanto escondido da memória.

Mas nem todas são malucas ou desesperadas. No caminho nosso protagonista (Yorick ou o recém solteiro. Tanto faz) irá encontrar algumas mulheres que tentarão lhe entender e darão apoio para seguir em frente. Seja pela característica inerentemente feminina de, quase sempre, acreditar e respeitar o amor ou por adquirirem alguma simpatia por aquele espécime único e cabisbaixo.

y02Yorick opta por seguir seu amor até onde for preciso, e parte em uma jornada ao outro lado do mundo atrás da mulher que ama, enquanto conta com a ajuda de uma agente especial e de uma cientista para entender as causas do incidente e o motivo de ainda estar vivo. Em determinado momento na série, chega a se cogitar que o anel de noivado que Yorick havia comprado para Beth continha algum segredo que poderia ser a chave de sua sobrevivência. Só mais uma pista do escritor de que “o amor pode salvar o mundo”.

Como também não é raro na vida de alguém que sofre por amor, Yorick mantém sua cota de dúvidas ao longo de sua jornada e procura afogá-las na fé por seu sentimento ou nas garrafas de bebida que encontra na viagem. Não necessariamente na mesma ordem.

A verdade é que de machista, a série não tem nada. Apesar de ter vários aspectos passíveis para interpretação, a história trata a busca pelo amor como linha mestre na condução do roteiro. A distância que separa o último homem vivo de sua amada é só uma metáfora para os empecilhos da vida e os problemas cotidianos. Afinal, se bastasse pegar um avião para encontrar a minha Beth eu não pensaria duas vezes.

Um abraço!
Marton Santos

Desde garoto sofre com as brincadeiras de seus professores que na hora da chamada insistem na piadinha “é o Júnior da Sandy?”. Otimista de plantão, acredita em duendes e no Brasil sem corrupção. Não ouviu o último do Caetano, mas achou uma merda. Leu todos os clássicos da literatura universal sempre com uma revista de sacanagem aberta no meio. Inventou a vassoura com MP3 player e câmera digital e pretende ficar rico com isso. Pretende fazer um mochilão a pão e água de Mossoró a Sinop no próximo ano. Nunca viu um disco voador e morre de medo de barata, “mas só daquelas grandes que voam”.