O Comedor de Lixo: O primeiro livro interativo da Blogosfera brasileira – Capítulo 3 – Qual caminho traçar?

“…tá vendo esse tênis aqui, moleque? Outra jogada minha vendendo os bagulho na esquina da avenida. Tu não tem um desses, tem? É novo, moleque. Agora tu fica aí fudido, dormindo na rua, sozinho, porque não sabe fazer negócio…”

“…Ele assistiu tudo estático, com medo da abordagem, mas com a esperança de também ser levado pelos policiais na viatura…”

“…decidiu, raciocinando enquanto aguardava o sinal marcar vermelho, que a noite seria uma ótima oportunidade para gerar um grande tumultuo, enquanto a fila se organizasse à frente da igreja para receber a sopa…”

“…na maioria das vezes, até quando davam as esmolas que o sustentava, não o enxergavam. O viam, mas não o enxergavam. Ele não era uma pessoa, um menino, era um corpo invisível perambulando. Era o reflexo de uma sociedade que joga seu futuro no lixo…”

Quer continuar ajudando a escrever o primeiro livro interativo da blogosfera brasileira? Leia o terceiro capítulo e escolha o futuro de Rato para o próximo episódio de “O Comedor de Lixo”.

COMO PARTICIPAR DO PROJETO “O COMEDOR DE LIXO”?

CAPÍTULO 1 – QUAL O PREÇO DA LIBERDADE?

CAPÍTULO 2 – O CRIME COMPENSA?

NOTA DO AUTOR:

Muito obrigado pela participação de todos! Nosso livro está ficando com um enredo muito interessante e criativo, graças a vocês. E o mais importante: estamos discutindo um tema tão relevante, que é o descaso com a juventude.

Se você quiser nos ajudar ainda mais, façam uma chamada sobre “O Comedor de Lixo” em seu blog ou divulgue nosso projeto para amigos que gostam de leitura, para seu mailing list ou colegas de trabalho, no momento de ócio. A publicação do nosso livro será semanal, toda quinta-feira.

Confira os blogs/sites que divulgaram “O Comedor de Lixo” essa semana:

http://www.danosse.com

http://cervejabem.brogui.com

http://aprendizdeescritor.com.br/

http://etcsa.blogspot.com

http://www.tiagobispo.com

http://umafabulasobreavaidade.wordpress.com

http://coisasdehomem.hitechlive.com.br

http://moskitoloko.blogspot.com

http://leiloeilolhe.blogspot.com

Continuando a saga de nosso herói Rato, segue o Capítulo 3 de “O Comedor de Lixo”. Confira se sua idéia foi utilizada e sugira o futuro do personagem para o capítulo 4. Esperamos sua participação!

CAPÍTULO 3:

O COMEDOR DE LIXO – CAPÍTULO 3 – QUAL CAMINHO TRAÇAR?

[*]

Foi acordado com um tapa na cabeça [1], levantou-se com o susto e abriu os olhos, desesperado. Era Bino [2], um garoto de 19 anos que morava no bairro e que, geralmente, se encontravam. O Sol já estava à cima, era por volta de 8 horas da manhã. Sempre bem vestido, Bino, filho de mãe solteira, gostava de conversar com Ele porque podia contar todas as vantagens que quisesse e se glorificar, sem que o interlocutor questionasse, reclamasse ou desviasse o assunto. Bino, assim, se sentia poderoso, superior e o maior homem de negócios da cidade [3]:

 – Ta vendo esse tênis aqui, moleque? Outra jogada minha vendendo os bagulho na esquina da avenida. Tu não tem um desses, tem? É novo, moleque. Agora tu fica aí fudido, dormindo na rua, sozinho, porque não sabe fazer negócio. Isso aqui – segurando um volume dentro do bolso – eu pego com os home grande e trago aqui pra baixo. Vendo tudo e to agora de boa. E tu dormindo aí na rua. O problema é que tu é muito pivete ainda… 
 
 Bino morava em um morro que ficava ao final de uma rua transversal à avenida do semáforo de Rato. Desde novo, envolvido com o narcotráfico da região, servia de aviãozinho para os traficantes, e, agora, um pouco mais velho, sentia-se poderoso e confiante no poder de suas negociações. Para Ele, Bino era um exemplo de vencedor [4], que conseguia comprar o que quisesse e entrar onde quisesse sem ser incomodado. Sabia da ilegalidade do trabalho de Bino e resolveu pedir para passar o dia com ele, talvez conseguisse chamar atenção dos policiais [5].

 – Posso ir mais tu [6]?

 – E tu lá é sujeito homem pra andar comigo, pivete? Levanta aí que eu vou te mostrar quanto dinheiro eu consigo hoje…

 Chegaram à movimentada esquina de negociações do Bino [7], que sempre ficava encostado ao fundo de uma loja. Pararam ao lado de uma caixa de ar condicionado, Bino se posicionou em pé e com os braços cruzados. Ele estava lá, imitando até a posição dos braços. De repente, aparece um garoto de bermuda, boné, óculos escuros e uma camiseta de botão meio aberta. Cumprimentou Bino, fez o gesto com as mãos, pôs um pequeno pacote no bolso. Com a outra mão deu o dinheiro e caminhou na direção oposta. No mesmo momento entram dois policiais, com armas em punho, mandam Bino colocar as mãos na parede e pegaram os pacotes de seu bolso esquerdo [8] . Com um golpe do cassetete no estômago, Bino relaxou os braços e um dos policiais algemou-os atrás das costas. Empurram-no para dentro de uma viatura estacionada há alguns metros da esquina. Os comerciantes da região, que haviam percebido a movimentação há algumas semanas perto de suas lojas, chamaram a polícia e denunciaram Bino, que agora, a sua sorte, era encaminhado à delegacia mais próxima [9] , umas das poucas na cidade que não aderiu à greve. 

 Ele assistiu tudo estático, com medo da abordagem, mas com a esperança de também ser levado pelos policiais na viatura, o que não aconteceu. Parecia ser invisível. Ficou ainda alguns minutos na esquina, a movimentação e o tumulto que os pedestres fizeram depois da abordagem cessaram, foi quando decidiu voltar a seu semáforo e tentar pensar em outra oportunidade para ser preso, não podia ser tão difícil. Esbarrou, ainda caminhando desatento, em uma lata de lixo na frente de um posto de gasolina. Encontrou um resto de sanduíche.

 No local de trabalho estavam espalhados, como sempre, outros pedintes, vendedores de balas, malabaristas e limpadores de para brisas – menos práticos, menos eficientes e mais lentos do que os limpadores mecânicos do carro, mas sempre estavam lá, com o mesmo movimento repetitivo de vai-e-vem,  esguichando água e enxugando o mais rápido que podiam. Ninguém no ponto tinha dado por sua falta, do mesmo jeito que não perceberam quando Ele chegou. Todos prestavam atenção no jornaleiro, que, mais uma vez, contava sobre as notícias do dia [10]:

 – Saiu uma pesquisa dizendo que a capital está com 40% a mais de gente que cabia. Eles chamam de “hipertrofia”, “descontrole de natalidade” e “êxodo rural”! Para mim isso é o normal… O governo só fode com o povo mesmo, só podia nascer mais gente. Agora, cuidar dos meninos ninguém quer, nem o governo nem o povo.

 Alguns risos. O sinal abriu, era hora de torcer por esmolas. Naquele espaço de 45 segundos desperdiçados pelos motoristas – que aguardavam ansiosos pelo sinal verde – havia se formado um mercado de trabalho alternativo, miseravelmente formado por quem só podia mendigar, buscando seu sustento em um impaciente intervalo de tempo considerado desprezível pelos motoristas.

 O primeiro carro a parar, depois que Ele chegou ao semáforo, era uma grande caminhonete com os vidros escuros. Mesmo sem enxergar nada da parte de dentro Ele se encostou ao lado do motorista, deu duas batidas na porta com o dedo indicador e estendeu a mão direita, com a palma alçada para o céu. Alguns segundos depois, para sua surpresa – os vidros pretos quase nunca eram abertos – um senhor grisalho, com um ostentoso bigode e óculos escuros trouxe para fora da caminhonete um saco plástico com as duas pontas amarradas. Sem falar nada, o senhor subiu o vidro e virou-se para frente, aguardando o sinal abrir. O volume era pesado e macio, uma camiseta velha, uma bermuda um pouco grande para seu tamanho e um saco de bolachas de água e sal meio espatifadas [11]. Correu para o canteiro da pista, escondeu-se atrás de uma árvore robusta e trocou de roupa, as suas já estavam com um mau cheiro devido aos dias sem tomar banho. Lá mesmo devorou as bolachas. As roupas velhas ficaram no chão e depois foram apanhadas por Júlio, um rapaz que, com maestria, jogava malabares no sinal.

 Apesar da boa reputação do semáforo, onde quase nunca tinha assaltos, o período noturno era muito menos rentável para os pedintes. Quase impossível. Júlio era um dos poucos que ficava no ponto tanto pela manhã quando à noite. Durante o dia, trabalhava com 5 bolas de tênis, jogadas em uma sincronia à la Cirque du Soleil. A noite, com o rosto pintado de palhaço, usava dois cabos de vassoura de cerca de 30 centímetros e uma haste de madeira, com duas bolas de pano nas pontas molhadas de querosene e ateadas fogo. Era um verdadeiro espetáculo de rua, que lhe rendia, semanalmente em media, merecidos 200 reais. Sua arte era sua vida. Embora se encontrassem todos os dias e trabalhassem no mesmo semáforo, Júlio e Ele não tinham uma relação estável de amizade. Com uma rotina tão mecânica  (passar com a mão estendida entre os carros, contar moedas e peregrinar atrás de alimento) não era fácil manter relações sociais duradouras. Seus encontros eram sempre descartáveis, no tumulto da rua movimentada.

 Júlio se levantou da sombra de uma árvore do canteiro central para uma nova jornada de 30 segundos de malabarismo e 15 segundos passando seu chapéu entre os carros, esperando a recompensa pelo entretenimento. Eram naqueles 45 segundos, perdidos pelos motoristas aguardando pelo sinal verde, que Júlio tirava o sustento de seus 2 filhos e da sua esposa. Começou a jogar as bolas para cima: primeiro duas, depois três e então as cinco já estavam no ar.  Segurava e cumprimentava, dobrando o tronco. Colocava as cinco bolas dentro do chapéu e caminhava ao lado dos carros. Júlio sempre recebia mais do que os pedintes, a sensação de que a esmola, no caso, era uma recompensa, confortava os motoristas, sempre mais gentis e simpáticos com o malabarista. Após a contribuição sentiam-se com o dever cumprido, passando a diante suas parcelas de culpa.

Rato decidiu ir à borracharia para se lavar. Há muito não tomava banho e, como era noite de distribuição de sopa pela associação filantrópica da igreja católica do bairro [12] , queria estar apresentável. Vestido apenas com a bermuda nova – que havia ganhado no semáforo-  ficou de pé na calçada e fez um gesto com uma das mãos, como se estivesse com uma mangueira acima da cabeça. O borracheiro já conhecia o procedimento, abriu uma torneira e, sorrindo, jorrou água sobre o garoto que, aos pulos e com uma feição de desespero – pelo frio e pala falta de hábito – esfregou o corpo rapidamente para que aquele ritual terminasse rápido. Banho tomado, era hora de ir ao semáforo secar-se ao Sol e aguardar a esperada noite de distribuição de sopa, no caminho passou por uma banca de vendas de frutas e colheu algumas uvas amassadas que repousavam em uma caixa no chão.

 Decidiu, raciocinando enquanto aguardava o sinal marcar vermelho, que a noite seria uma ótima oportunidade para gerar um grande tumultuo, enquanto a fila se organizasse à frente da igreja para receber a sopa. Juntou um real em moedas de 10 centavos e foi a uma pequena loja comprar uma vasilha de plástico e poder participar da distribuição, aquele seria o grande dia.

 O Sol começava a repousar, o movimento do trânsito aumentava nas ruas, era a hora do rush: vidros fechados, pessoas apressadas, mau humor, medo e o fim da possibilidade de esmolas. Na frente da igreja o grupo filantrópico já havia estacionado a kombi na entrada da escadaria, colocado duas mesas, cobertas com um pano quadriculado e três grandes panelas. Algumas pessoas já se organizavam na fila com baldes, copos, canecas, xícaras, potes, garrafas pet e qualquer recipiente que armazenasse líquido. Ele era o 18º e aguardava, ansiosamente, sua vez. A sopa era de legumes, com alguns poucos pedaços de carne, ingredientes comprados com a arrecadação de recursos do grupo filantrópico, que trabalhava com a política “não dê esmola nas ruas, contribua com a organização filantrópica da igreja”. Segundo o Padre Lino, presidente da associação e famoso líder católico da paróquia, o importante era “ensinar a pescar e não dar o peixe”, por isso, com os recursos arrecadados pela organização, uma vez por mês, um work shop era montado para moradores de rua e a comunidade pobre do local – mas pouco freqüentado – com aulas de mecânica, marcenaria e metalurgia. Semanalmente, a sopa era distribuída aos moradores da região.

 Chegou sua vez de ser servido, era a grande hora de por seu plano em prática. Recebeu a sopa no copo recém comprado, sentou-se na escada da igreja e saboreou a comida até o último gole. Voltou para o começa da fila e com um tom autoritário disse que queria mais.

 – Mais!

 Padre Lino, segurando a concha com a mão direita e a panela com a esquerda, com uma voz serena respondeu:

 – Não, meu filho. Você já foi servido. Retorne ao final da fila, e caso ainda haja sopa, eu o darei.

 – Velho viado! Quero mais sopa!

 – Meu filho, assim você não conseguirá nada.

 Ele jogou o copo em uma das mulheres da organização, empurrou a panela sobre a mesa, derrubando a sopa no chão [13]. Os membros da organização ficaram perplexos e alguém do final da fila gritou:

 – Vai faltar sopa!!!!

 Desesperados, os que aguardavam por sua vez na fila começaram um tumulto enfiando os baldes, copos e garrafas nas duas grandes panelas que sobraram. Alguns se agacharam no chão e comiam os pedaços de legumes e as carnes que havia caído da panela derrubada. Levaram Padre Lino para dentro da igreja, o poupando da confusão, enquanto os organizadores do grupo filantrópico tentavam conter o ataque selvagem. No meio de tanto tumulto esqueceram Dele, que, mordendo um pedaço de carne do chão, se distanciou lentamente. Seu plano falhou mais uma vez.

 Ele não conseguia ser preso porque era invisível. Ninguém dava atenção ao que ele fazia, mesmo que fosse ilegal. Sua periculosidade social passava em branco por causa da insatisfação em ver um menino raquítico, feio, mal vestido e sujo. Era melhor fingir que ele não existia, mas ele estava ali, sempre chamando atenção, fazendo o errado e tentando colocar seu genial plano em prática [14]. Na maioria das vezes, até quando davam as esmolas que o sustentava, não o enxergavam. O viam, mas não o enxergavam. Ele não era uma pessoa, um menino, era um corpo invisível perambulando. Era o reflexo de uma sociedade que joga seu futuro no lixo. Que se alimenta do lixo e que permanece no lixo. Mas, amanhã, seria diferente. Ele seria preso, conseguiria um lugar para dormir, refeições certas e talvez um lar [15].

COLABORAÇÕES DESTE CAPÍTULO:

* Imagem por Marcos Leandro – http://etcsa.blogspot.com/

1. Marcelo BC
2. Guilherme Dutra, Anarcoplayba http://anarcoblog.wordpress.com , K-prA, Marcos Leandro http://etcsa.blogspot.com
3. caroline www.freewebs.com/aspacoastrologia 
4. Vinna e K-prA
5. Marcelo BC e Israel Comar
6. Vinna
7. Marcelo BC, caroline www.freewebs.com/aspacoastrologia
8. Barion www.isfreepop.com
9. Barion www.isfreepop.com
10. Daniel
11. Barion http://www.isfreepop.com
12. caroline www.freewebs.com/aspacoastrologia
13. K-prA
14. Esperanto e Israel Comar
15. Israel Comar

Obrigado a Lucas Balduino que fez a correção de “extinto” por “instinto” e a Carlos Gomes, que alertou para o fato de que, quando Rato foi dormir, no final do primeiro capítulo. seu cobertor já estava úmido.  Erros já consertados.

PROPOSTAS DE INTERAÇÃO PARA O PRÓXIMO CAPÍTULO:

No próximo capítulo, como foi proposto por Esperanto e K-prA exploraremos o interior do psicológico de Rato,  e levantarmos as questões a respeito de seu passado no orfanato, propostos por Lucas Balduino, Anarcoplaybahttp://anarcoblog.wordpress.com e Marcos Leandro http://etcsa.blogspot.com . Trataremos desse assunto apenas no capítulo três pois, segundo o Vinna (com quem concordei), ainda era muito cedo para trazermos a situação à tona.

1 – Qual o título do próximo capítulo? “QUEM SOU EU?”, “O QUE EU SOU?” Qual sua sugestão?

2 – A polícia deve voltar da greve, para que o desenrolar do enredo seja mais sugestivo?

3 – Afinal, os pais de Rato devem ou não reaparecer na estória?

4 – Já fomos apresentando a Júlio, o jovem malabarista. Qual a relação que ele pode estabelecer com Rato? Será que ele poderia ajudar Rato a por seu plano em prática e, assim, diminuir a concorrência do semáforo?

5 – Durante um dia qualquer da semana gostaria que vocês contassem quantos pedintes vocês vêem na rua de suas cidades e postassem aqui o número. Qual sua cidade? Posso contar com vocês?

Até a próxima quinta! Espero que estejam gostando da trajetória de nosso herói. Se não, aguardo ansiosamente sua sugestão para mudarmos o destino do Rato.

Desde garoto sofre com as brincadeiras de seus professores que na hora da chamada insistem na piadinha “é o Júnior da Sandy?”. Otimista de plantão, acredita em duendes e no Brasil sem corrupção. Não ouviu o último do Caetano, mas achou uma merda. Leu todos os clássicos da literatura universal sempre com uma revista de sacanagem aberta no meio. Inventou a vassoura com MP3 player e câmera digital e pretende ficar rico com isso. Pretende fazer um mochilão a pão e água de Mossoró a Sinop no próximo ano. Nunca viu um disco voador e morre de medo de barata, “mas só daquelas grandes que voam”.